VIRTUDES
Ultimato para despertar
– “Seo João, Seo João...
Bom dia! Acorde Seo João”, falava a enfermeira quase recitando com uma voz de
acalento, enquanto passava-lhe a mão no peito, carinhosamente. Não ouvi
resposta. Nenhum pio.
Fazia frio. A luz do sol iluminava o quarto, embora pouco aquecesse. Equipamentos ao lado do Seo João soavam a todo momento, enquanto uma movimentação matutina crescia lá fora e também pelos corredores.
– “Ele é o único que não fala nada”, resmungou meu pai, deitado naquele leito que já não era mais de morte.
– “Claro, pai! Ele está entubado”, respondi-lhe. Fez-se um silêncio. Daqueles sepulcrais, que dá medo do capítulo seguinte. Um silêncio funesto e duradouro. Inquietante.
Passaram-se talvez horas. E todo o tempo no hospital parece que não passa. Gente morrendo, gente sobrevivendo. Gente cuidando. Gente se exaltando. Médicos sem postura humanitária. Enfermeiros com sobrecarga, mas carregando consigo a única luz que se via no fim do túnel.
Fui espiar pela janela de onde vinha uma gritaria externa. Vi um trio alcoolizado, brigando por um chapéu. Os três riam meio cambaleantes. E trocavam xingamentos. Virei-me para o lado, com certa resistência, sem saber o que fazer, falar. Acenar.
Com a cabeça voltada para a janela, Seo João tinha os olhos semiabertos. Talvez fossem verdes. Era muito pouco o que se podia ver. O tubo lhe engolia. Havia uma lágrima em seu olho direito. Parada. Imóvel como era o seu olhar. Tive uma estranha sensação. Igual àquela de quando a gente não sabe se a morte está vendo tudo ali do lado, sorrateiramente. Realmente, diante daquela experiência, me faltavam ações. Desconcertei-me com a fragilidade da situação. Com a fragilidade do Seo João. E com a minha também. De não saber o que fazer.
Voltamos para casa depois de dois dias difíceis. Era um alívio intenso. Estava tão agradecida pela vida do meu pai que nem lembrava mais do Seo João.
Até que gente tão viva pareceu-me entubada. Engolida por tanta coisa ruim.
Gente acordada, porém dormente. De olhos abertos, mas olhando para o nada. Gente perdida em si.
E a vida é como brevidade. Tão gostosa e tão instantânea. Saborosa, mas pode ser amarga para quem já não vê mais doçura. E isto é muito injusto. Uma injustiça com o Seo João que lutava para viver. Até quando não sei. Mas, lutava. Lutou. Luta, quiçá.
Acorda João! Acorda Maria! Que a vida não espera. E a morte não se acovarda e tampouco pede passagem. Ela invade.
Acorda João! Acorda Maria! Que hoje é o dia de viver de verdade. Acorda para a vida. Porque este é o ultimato. Ou último ato. Acorda!
Fazia frio. A luz do sol iluminava o quarto, embora pouco aquecesse. Equipamentos ao lado do Seo João soavam a todo momento, enquanto uma movimentação matutina crescia lá fora e também pelos corredores.
– “Ele é o único que não fala nada”, resmungou meu pai, deitado naquele leito que já não era mais de morte.
– “Claro, pai! Ele está entubado”, respondi-lhe. Fez-se um silêncio. Daqueles sepulcrais, que dá medo do capítulo seguinte. Um silêncio funesto e duradouro. Inquietante.
Passaram-se talvez horas. E todo o tempo no hospital parece que não passa. Gente morrendo, gente sobrevivendo. Gente cuidando. Gente se exaltando. Médicos sem postura humanitária. Enfermeiros com sobrecarga, mas carregando consigo a única luz que se via no fim do túnel.
Fui espiar pela janela de onde vinha uma gritaria externa. Vi um trio alcoolizado, brigando por um chapéu. Os três riam meio cambaleantes. E trocavam xingamentos. Virei-me para o lado, com certa resistência, sem saber o que fazer, falar. Acenar.
Com a cabeça voltada para a janela, Seo João tinha os olhos semiabertos. Talvez fossem verdes. Era muito pouco o que se podia ver. O tubo lhe engolia. Havia uma lágrima em seu olho direito. Parada. Imóvel como era o seu olhar. Tive uma estranha sensação. Igual àquela de quando a gente não sabe se a morte está vendo tudo ali do lado, sorrateiramente. Realmente, diante daquela experiência, me faltavam ações. Desconcertei-me com a fragilidade da situação. Com a fragilidade do Seo João. E com a minha também. De não saber o que fazer.
Voltamos para casa depois de dois dias difíceis. Era um alívio intenso. Estava tão agradecida pela vida do meu pai que nem lembrava mais do Seo João.
Até que gente tão viva pareceu-me entubada. Engolida por tanta coisa ruim.
Gente acordada, porém dormente. De olhos abertos, mas olhando para o nada. Gente perdida em si.
E a vida é como brevidade. Tão gostosa e tão instantânea. Saborosa, mas pode ser amarga para quem já não vê mais doçura. E isto é muito injusto. Uma injustiça com o Seo João que lutava para viver. Até quando não sei. Mas, lutava. Lutou. Luta, quiçá.
Acorda João! Acorda Maria! Que a vida não espera. E a morte não se acovarda e tampouco pede passagem. Ela invade.
Acorda João! Acorda Maria! Que hoje é o dia de viver de verdade. Acorda para a vida. Porque este é o ultimato. Ou último ato. Acorda!
Nenhum comentário:
Postar um comentário