Leitura
Na agonia ou na folia?!
Há quem goste de
Carnaval e há quem não. Minha mãe nunca gostou. E há um porquê: minha irmã
morreu justo nesta época. Então, a
grande folia é um momento de luto, uma dor revivida ano após ano.
No último domingo,
pediu-me para acompanhá-la ao cemitério. Já são 40 anos. Faz tanto tempo, mas
para ela parece que foi ontem. Uma ferida que não cicatriza, passe o tempo que
for. Diante do jazigo cor de rosa na ala infantil, fez uma oração silenciosa.
Era de manhã e uma bonita luz incidia sobre o túmulo. Eu senti sua dor, embora
não tenha demonstrado. Ficamos ali por alguns momentos e antes de irmos embora,
depositei em um vasinho uma flor de papel crepom que ganhei de uma senhora
querida. Uma flor feita com esmero, cor de rosa como o túmulo, agora um pouco
desbotado com o passar dos anos.
Não falei nada, porque
o silêncio aquieta o coração. Peguei minha mãe pela mão e pensei que, talvez,
se não tivesse havido esta perda, eu não estivesse ali para amenizar-lhe as
lágrimas. Por desígnios maiores, que não se contestam, eu pude vir ao mundo
depois de alguns anos para aplacar um pouco o que não se enxerga, mas se sente
no fundo da alma.
“Mulheres fortes são
escolhidas para aguentar tamanha dor”, falou uma vez uma professora de yoga, ao
comentar das que perdem um filho. Verdade. Embora seja uma dor que não se
adjetiva, somente uma mulher de grande valentia, de imensidão de luz, aguenta o
tranco da inversão do ciclo natural das coisas, da abdicação de um amor maior
por algo superior, que não se conhece e, por vezes, não se compreende. E não dá
para se contestar, porque não somos donos do amanhã e nem do dia de hoje que
escorre, minuto a minuto, sem que saibamos para onde iremos.
Embora haja o luto dos
meus pais, tive a oportunidade de apreciar um pouco o Carnaval. Há coisas
lindas para serem vistas, por mais que muitas das antigas tradições tenham se
desvirtuado com o apelo sexual que tanto seduz as pessoas. Mas samba é alegria,
é cultura, é celebração. É música que envolve e que apazigua as lamúrias bobas
do dia a dia.
Todos têm o direito de
celebrar. E a vida ainda é um dos nossos maiores presentes. Que saibamos nos
divertir com moderação, resguardando a nossa integridade e o melhor de nós
mesmos, pois arrependimentos são pesos que fazem diferença no dia de amanhã.
Que possamos estar na avenida da vida, no bloco da alegria, distribuindo as mais
belas demonstrações de amizade, solidariedade, afeto e, principalmente, amor.
Porque o bloco passa. E para uns, pode passar depressa demais.
Mônica Kikuti
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