Educação
Lev Vygotsky, o teórico do ensino como processo
social
A obra do psicólogo ressalta o papel da
escola no desenvolvimento mental das crianças e é uma das mais estudadas pela
pedagogia contemporânea
O psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky
(1896-1934) morreu há mais de 70 anos, mas sua obra ainda está em pleno
processo de descoberta e debate em vários pontos do mundo, incluindo o Brasil.
"Ele foi um pensador complexo e tocou em muitos pontos nevrálgicos da
pedagogia contemporânea", diz Teresa Rego, professora da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo. Ela ressalta, como exemplo, os pontos de
contato entre os estudos de Vygotsky sobre a linguagem escrita e o trabalho da
argentina Emilia Ferreiro, a mais influente dos educadores vivos.
A parte mais conhecida da extensa obra produzida
por Vygotsky em seu curto tempo de vida converge para o tema da criação da
cultura. Aos educadores interessa em particular os estudos sobre
desenvolvimento intelectual. Vygotsky atribuía um papel preponderante às
relações sociais nesse processo, tanto que a corrente pedagógica que se
originou de seu pensamento é chamada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo.
Surge da ênfase no social uma
oposição teórica em relação ao biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), que
também se dedicou ao tema da evolução da capacidade de aquisição de
conhecimento pelo ser humano e chegou a conclusões que atribuem bem mais
importância aos processos internos do que aos interpessoais. Vygotsky, que,
embora discordasse de Piaget, admirava seu trabalho, publicou críticas ao suíço
em 1932. Piaget só tomaria contato com elas nos anos 1960 e lamentou não ter
podido conhecer Vygotsky em vida. Muitos estudiosos acreditam que é possível
conciliar as obras dos dois.
Relação homem-ambiente
Os estudos de Vygotsky sobre aprendizado decorrem da compreensão do homem como um ser que se forma em contato com a sociedade. "Na ausência do outro, o homem não se constrói homem", escreveu o psicólogo. Ele rejeitava tanto as teorias inatistas, segundo as quais o ser humano já carrega ao nascer as características que desenvolverá ao longo da vida, quanto as empiristas e comportamentais, que vêem o ser humano como um produto dos estímulos externos. Para Vygotsky, a formação se dá numa relação dialética entre o sujeito e a sociedade a seu redor - ou seja, o homem modifica o ambiente e o ambiente modifica o homem. Essa relação não é passível de muita generalização; o que interessa para a teoria de Vygotsky é a interação que cada pessoa estabelece com determinado ambiente, a chamada experiência pessoalmente significativa.
Segundo Vygotsky, apenas as funções psicológicas elementares se caracterizam como reflexos. Os processos psicológicos mais complexos - ou funções psicológicas superiores, que diferenciam os humanos dos outros animais - só se formam e se desenvolvem pelo aprendizado. Entre as funções complexas se encontram a consciência e o discernimento. "Uma criança nasce com as condições biológicas de falar, mas só desenvolverá a fala se aprender com os mais velhos da comunidade", diz Teresa Rego.
Outro conceito-chave de Vygotsky é a mediação. Segundo a teoria vygotskiana, toda relação do indivíduo com o mundo é feita por meio de instrumentos técnicos - como, por exemplo, as ferramentas agrícolas, que transformam a natureza - e da linguagem - que traz consigo conceitos consolidados da cultura à qual pertence o sujeito.
O papel do adulto
Todo aprendizado é necessariamente mediado - e isso torna o papel do ensino e do professor mais ativo e determinante do que o previsto por Piaget e outros pensadores da educação, para quem cabe à escola facilitar um processo que só pode ser conduzido pelo própria aluno. Segundo Vygotsky, ao contrário, o primeiro contato da criança com novas atividades, habilidades ou informações deve ter a participação de um adulto. Ao internalizar um procedimento, a criança "se apropria" dele, tornando-o voluntário e independente.
Desse modo, o aprendizado não se subordina totalmente ao desenvolvimento das estruturas intelectuais da criança, mas um se alimenta do outro, provocando saltos de nível de conhecimento. O ensino, para Vygotsky, deve se antecipar ao que o aluno ainda não sabe nem é capaz de aprender sozinho, porque, na relação entre aprendizado e desenvolvimento, o primeiro vem antes. É a isso que se refere um de seus principais conceitos, o de zona de desenvolvimento proximal, que seria a distância entre o desenvolvimento real de uma criança e aquilo que ela tem o potencial de aprender - potencial que é demonstrado pela capacidade de desenvolver uma competência com a ajuda de um adulto. Em outras palavras, a zona de desenvolvimento proximal é o caminho entre o que a criança consegue fazer sozinha e o que ela está perto de conseguir fazer sozinha. Saber identificar essas duas capacidades e trabalhar o percurso de cada aluno entre ambas são as duas principais habilidades que um professor precisa ter, segundo Vygotsky.
Expansão dos horizontes mentais
Como Piaget, Vygotsky não formulou uma teoria pedagógica, embora o pensamento do psicólogo bielo-russo, com sua ênfase no aprendizado, ressalte a importância da instituição escolar na formação do conhecimento. Para ele, a intervenção pedagógica provoca avanços que não ocorreriam espontaneamente. Ao formular o conceito de zona proximal, Vygotsky mostrou que o bom ensino é aquele que estimula a criança a atingir um nível de compreensão e habilidade que ainda não domina completamente, "puxando" dela um novo conhecimento. "Ensinar o que a criança já sabe desmotiva o aluno e ir além de sua capacidade é inútil", diz Teresa Rego. O psicólogo considerava ainda que todo aprendizado amplia o universo mental do aluno. O ensino de um novo conteúdo não se resume à aquisição de uma habilidade ou de um conjunto de informações, mas amplia as estruturas cognitivas da criança. Assim, por exemplo, com o domínio da escrita, o aluno adquire também capacidades de reflexão e controle do próprio funcionamento psicológico.
Biografia
Lev Semenovitch Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, pequena cidade perto de Minsk, a capital da Bielo-Rússia, região então dominada pela Rússia (e que só se tornou independente em 1991, com a desintegração da União Soviética, adotando o nome de Belarus). Seus pais eram de uma família judaica culta e com boas condições econômicas, o que permitiu a Vygotsky uma formação sólida desde criança. Ele teve um tutor particular até entrar no curso secundário e se dedicou desde cedo a muitas leituras. Aos 18 anos, matriculou-se no curso de medicina em Moscou, mas acabou cursando a faculdade de direito. Formado, voltou a Gomel, na Bielo-Rússia, em 1917, ano da revolução bolchevique, que ele apoiou. Lecionou literatura, estética e história da arte e fundou um laboratório de psicologia - área em que rapidamente ganhou destaque, graças a sua cultura enciclopédica, seu pensamento inovador e sua intensa atividade, tendo produzido mais de 200 trabalhos científicos. Em 1925, já sofrendo da tuberculose que o mataria em 1934, publicou A Psicologia da Arte, um estudo sobre Hamlet, de William Shakespeare, cuja origem é sua tese de mestrado.
Tempo de revolução
Em menos de 38 anos de vida, Vygotsky
conheceu momentos políticos drasticamente diferentes, que tiveram forte
influência em seu trabalho. Nascido sob o regime dos czares russos, Vygotsky
acompanhou de perto, como estudante e intelectual, os acontecimentos que
levaram à revolução comunista de 1917. O período que se seguiu foi marcado,
entre outras coisas, por um clima de efervescência intelectual, com a abertura
de espaço para as vanguardas artísticas e o pensamento inovador nas ciências,
além de uma preocupação em promover políticas educacionais eficazes e
abrangentes. Logo após a revolução, Vygotsky intensificou seus estudos sobre
psicologia. Visitou comunidades rurais, onde pesquisou a relação entre nível de
escolaridade e conhecimento e a influência das tradições no desenvolvimento
cognitivo. Com a ascensão ao poder de Josef Stalin, em 1924, o ambiente
cultural ficou cada vez mais limitado. Vygotsky usou a dialética marxista para
sua teoria de aprendizado, mas sua análise da importância da esfera social no
desenvolvimento intelectual era criticada por não se basear na luta de classes,
como se tornara obrigatório na produção científica soviética. Em 1936, dois
anos após sua morte, toda a obra de Vygotsky foi censurada pela ditadura de
Stalin e assim permaneceu por 20 anos.
Márcio Ferrari
Nenhum comentário:
Postar um comentário