Educação
Diretor da escola: o protagonista esquecido
Quando se fala em educação, logo se pensa em professores e
alunos. Cada vez há mais indícios, porém, de que esse foco na sala de aula é o
ípico caso em que não conseguimos ver a floresta por estarmos tão preocupados
com as árvores. Salas de aula não flutuam por aí, afinal: o locus do ensino é a
escola, uma organização bastante complexa. que precisa reter bons
profissionais, interessar e estimular alunos e agradar a pais e líderes
políticos. Quem rege essa orquestra toda é o diretor escolar.
Sabemos relativamente pouco sobre ele. Alguns estudos
mostram que a maneira como um diretor chega ao cargo é importante: escolas que
têm diretor escolhido por processos que envolvem provas seguidas de eleições,
ou pelo menos via eleição, têm alunos que aprendem mais do que aquelas em que o
diretor é fruto de indicação política. Como costuma acontecer no Brasil,
privilegiamos o caminho errado: os últimos dados mostram que 46% dos diretores
de nossas escolas chegaram ao posto por indicação de alguém.
Outro erro que cometemos é imaginar que o diretor é um mero
burocrata responsável por administrar as instalações físicas da escola e passar
um corretivo nos baderneiros. O bom diretor, porém, faz bem mais do que isso.
No livro “Organizing Schools for Improvement”. os autores definem bem as quatro
áreas que o gestor escolar deve dominar: capacitação dos professores, criação
de um clima propício ao aprendizado, envolvimento com a família e ensino
ambicioso, visando ao ingresso na universidade.
Alguns desses quesitos são difíceis de medir e quantificar.
O trabalho de um bom diretor é indireto: assim como se nota o trabalho de um
bom técnico pelo desempenho de seus jogadores, a virtuosidade de um diretor se
manifesta pelo trabalho de seus professores. Um bom diretor consegue criar um clima
ordeiro e organizado, em que alunos e professores podem dar o seu melhor com o
mínimo de interrupções. Pesquisas demonstram que alunos aprendem mais naquelas
escolas em que há um clima positivo e onde os professores reconhecem a
liderança do seu diretor. Pesquisas internacionais (todas disponíveis em
twitter.com/gioschpe) comprovam que, quando o diretor tem poder para contratar
e demitir professores, os alunos têm desempenho melhor. Outra pesquisa mostra
que os diretores têm boa capacidade para prever, antes da contratação, quais
serão os professores excelentes e quais os ruins. Faria sentido, portanto,
mudar o processo de seleção de professores, que hoje se resume a um concurso
público que avalia quase tudo — menos a capacidade do sujeito de ensinar um
determinado conteúdo —, para um processo que envolva uma entrevista com os bons
diretores escolares.
“Um
erro que cometemos é imaginar que o diretor é um mero burocrata responsável por
administrar as instalações físicas da escola”
O bom diretor escolar é um líder pedagógico, além de ser um
bom gestor. Nas escolas de primeiras séries, há evidências de que o
conhecimento do diretor sobre as matérias ensinadas e sua intervenção nas
práticas dos professores — especialmente aqueles com dificuldades — melhoram o
desempenho dos alunos. Nos anos mais avançados, é impossível para um diretor
dominar todas as áreas, de forma que seu impacto precisa ser indireto, mas não
por isso ele é menos importante. Pesquisas sugerem, por exemplo, que em aulas
de linguagem uma estratégia em que os alunos se engajam através de
questionamentos e uma postura interativa facilita o aprendizado, enquanto em
aulas de matemática ocorre o oposto: estratégias em que o professor passa mais
tempo explicando conceitos, formalizando o conhecimento, têm melhores
resultados. O mau diretor acha que cada professor deve fazer o que bem
entender. O bom diretor julga que todos precisam de orientação e que a escola
deve ter um padrão. Por isso é que normalmente não se veem escolas com
resultados muito díspares entre séries ou disciplinas. Ainda faltam pesquisas
para esmiuçar esse fenômeno, mas em minhas andanças por escolas Brasil afora
ficam claros dois fatores. Primeiro, os semelhantes se atraem: professor
descompromissado procura escola de diretor idem, e bons diretores fazem o
possível para afastar os maus professores e atrair os bons. Uma diretora
arretada de escola pública de Fortaleza me contou que uma de suas professoras
tirava licença médica atrás de licença médica. Ela também trabalhava em uma
escola particular, só que a essa comparecia sempre. Quando a professora estava
de licença, a diretora ligava para a escola particular e descobria se ela
estava trabalhando. Depois de alguns meses em que teve seu comportamento
desmascarado, a professora malandra pediu para sair. O segundo mecanismo é
através do exemplo. Quando um professor sabe que seu diretor está batalhando e
que vai cobrá-lo, isso é motivador. E vice-versa: visitei uma escola em Goiânia
em que a diretora resolveu afrouxar as cobranças sobre alunos e professores
porque queria se candidatar a vereadora e não convinha antagonizar ninguém. Os
professores ficaram tão desmotivados, e trataram seus alunos com tanta
indiferença, que logo a escola saiu do controle: os alunos, enraivecidos,
começaram até a riscar o carro de professores.
Outra marca do bom gestor escolar é a relação com a
comunidade. Em linhas gerais, os bons diretores atraem os pais, trazendo-os
para peno da escola. Só assim um pai ou mãe poderá monitorar, cobrar e ajudar
os filhos. Os maus gestores só se lembram de que os pais existem quando
precisam culpar alguém pelo insucesso da escola. Eles costumam tratar os pais
com menosprezo e distância: para um pai marcar uma reunião com um diretor
desses, é missão impossível. Bem diferente de uma marca freqüente do bom
diretor: ele espera pais e alunos no portão da escola, todos os dias, na
entrada e na saída. É uma oportunidade de estreitar o contato com os pais.
comentar os problemas do dia a dia antes que cresçam e simplesmente se colocar
à disposição de todos.
Ainda estamos longe de desvendar todos os mistérios da boa
gestão escolar, mas a pesquisa traz três achados encorajadores. O primeiro é
que, no Brasil, onde a bagunça administrativa é generalizada, iniciativas muito
simples para pôr a casa em ordem têm efeito significativo. Um programa de
intervenção na gestão das escolas estaduais de São Paulo que se encontravam
entre as 5% piores trouxe melhoras no aprendizado dos alunos de até incríveis
40%. Resultados que vêm com medidas simples como oferecer mais aulas de
reforço, coibir faltas de professores e passar mais tempo visitando e
acompanhando as salas de aula. O segundo é que o salário do diretor está
diretamente relacionado com o aprendizado dos alunos, ao contrário do salário
dos professores. É bem mais barato e eficaz mexer no salário de diretores
(menos de 200.000 pessoas) do que no de professores e funcionários (mais de 5
milhões). Terceiro, o impacto da gestão escolar é enorme: pesquisas americanas
sugerem que um quarto da disparidade de desempenho entre escolas é diretamente
atribuível a diferenças de gestão. Depois das ações dos professores em sala de
aula (que respondem por um terço), esse é o quesito mais importante na
determinação do sucesso acadêmico dos alunos.
Fonte: revista “Veja”
Nenhum comentário:
Postar um comentário