LEITURA
BUSCA FRENÉTICA
Um rapaz de camisa surrada e bermuda mexe na
lixeira ao meu lado. A sensação é desalentadora. Ele segura um saco preto e,
num primeiro instante, até achei que estava procurando comida. Mas, eram as
latas o seu intento.
Ele
caminha, ansioso. Talvez a urgência lhe consuma, como as minhas próprias.
Uma
senhora sentada, embala uma criança, com esta mesma urgência. Parece
impaciente, mesmo que a criança esteja quieta. Ela sacode os pés como se
tivesse a síndrome das pernas nervosas. Sem sapatos, ela apoia os pés sobre a
mala, vestindo meias brancas com detalhes azuis, naquele movimento impaciente.
Minutos
depois, o rapaz de camisa surrada volta à lixeira e faz a mesma busca
frenética. Há impaciência naquele revirar dentro do lixo. Há ansiedade. Há frustração.
Ele
anda como zumbi. Não sabe pra onde vai e o que vai fazer.
A
mulher olha tudo aquilo e pensa o mesmo que eu pensei no primeiro momento: ele
tem fome. Chama o rapaz, que vem meio sorrateiramente, com aquele medo do
porvir e aquela frustração interna e contínua.
Ela
mexe na mala, onde estava com os pés. Tira dois sanduíches de pão de forma
embalados em plástico filme. Dá a comida que tinha para o rapaz, com o
sentimento de humanidade e o inerente espírito materno que preenche as
mulheres, quando parecemos uma lacuna inacabável. Ele agradece muito
rapidamente e sai, mexendo no saco preto e segurando os sanduíches, com um
certo desapontamento.
No
colo, a criança continua no embalo. Chove e o vento gelado me assusta vez por
outra, a cada abertura da porta automática.
6h40.
A
filha da mulher (e mãe da criança) aparece, com ar cansado. Pensei: "é a
dona do outro lanche, que já não existe mais".
E a
porta se abre e me gela por dentro. A névoa lá fora, por um momento, me
dificulta a visão. Uma visão de mundo que se converte e se diverte, a cada novo
olhar.