VIRTUDES
Leitura
AS
MUITAS VEZES
A primeira vez em que eu chorei trabalhando foi há muito tempo.
Lembro-me da senhora humilde, sofrida, sentada no sofá de sua sala, aflita com
o desaparecimento do filho. Ela sofria, nitidamente. Sua voz era como um eco de
socorro e eu me comovi.
Dias depois, talvez
menos, o corpo do desaparecido era encontrado dependurado numa árvore. Ele
tinha se enforcado.
Ah, mas era o começo
da minha carreira; bobinha ainda! "Você tem que ser profissional, imune às
emoções. Não se envolva!"
Ok.
A mais recente
ocasião em que chorei trabalhando foi há alguns meses. O senhor morador de rua
contava sua história e num determinado ponto, sua voz embargou. Disse que pedia
a Deus para dar-lhe forças para sair daquela situação. E seus olhos verdes
encheram-se de lágrimas. Assim como os meus. "Você vai chorar
também?", questionou-me.
Não havia mais o que
fazer. As lágrimas já tinham escorrido mesmo, denunciando que eu não sabia
controlar minhas emoções e que eu nunca serei apenas uma patética escutadora de
histórias. Por quê?
Porque ainda consigo reconhecer sentimentos.
E a dor, quando a
gente a reconhece no outro, é muito difícil ignorá-la. Este sofrimento nos
irmana, nos humaniza. Demonstra que existem corações por dentro destas carcaças
arranhadas. Corações que se solidarizam e se comprazem.
Porque não dá para
ser "boneco de posto". Fazer figuração na vida real como se houvesse
sempre a obrigação da frieza, tendo nas mãos a calculadora implacável do
"o que eu vou ganhar com isto?".
Sem mais cobranças
de "não chore", "não se comova", "cada um com seus
problemas". Sim, cada um com seus problemas, mas, embora não possamos
fazer nada PELO outro, é possível mostrar um caminho, fazer algo PARA. É
possível estender a mão, abraçar. E talvez isto valha muito mais a pena do que
qualquer outra coisa