EDUCAÇÃO
Competências na educação
Antoni Zabala
A introdução do
termo "competência" no ensino é o resultado da necessidade de
utilização de um conceito que responda às necessidades reais de intervenção da
pessoa em todos os âmbitos da vida
O uso do termo competência é uma
consequência da necessidade de superar um ensino que, na maioria dos casos,
reduziu-se a uma aprendizagem cujo método consiste em memorização, isto é,
decorar conhecimentos, fato que acarreta a dificuldade para que os conhecimentos
possam ser aplicados na vida real. Por que temos de falar sobre competências?
No início da década de
1970, e no âmbito empresarial, surge o termo "competência" para
designar o que caracteriza uma pessoa capaz de realizar determinada tarefa real
de forma eficiente. A partir de então, esse termo estendeu-se de maneira
generalizada, de modo que hoje dificilmente encontraremos uma proposta de
desenvolvimento e formação profissional que não esteja estruturada em torno de
competências. É assim que o mundo empresarial fala sobre gestão por
competências: formação de competências, desenvolvimento profissional por
competências, análise de competências, etc.
Não muito mais tarde,
essas ideias começaram a ser utilizadas no sistema escolar: inicialmente, nos
estudos de formação profissional e, em seguida, no restante das etapas e dos
níveis educacionais. Tenta-se identificar as competências básicas do ensino;
realizam-se avaliações com base no domínio de competências; elaboram-se estudos
nas universidades com base em competências; reescrevem-se os currículos
oficiais de muitos países em função do desenvolvimento de competências. Da
mesma forma, à identificação das competências que os alunos devem adquirir,
como não poderia deixar de ser, são associadas competências das quais os
professores devem dispor para poder ensinar.
Essa é a situação
atual, mas quais são as razões que as justificam? Quais são os novos
conhecimentos que originaram o questionamento dos modelos existentes sobre a
maneira de descrever os recursos dos quais qualquer pessoa deve dispor para
desempenhar apropriadamente sua função em determinado local de trabalho? No
âmbito escolar, quais são os argumentos que exigem a revisão de projetos
curriculares, obrigando, com isso, que se realize uma mudança de dimensões
extraordinárias em todo o sistema educacional?
A formação inicial e
permanente da maioria das profissões centrou-se na aprendizagem de alguns
conhecimentos e reduziu-se a isso, ignorando as habilidades para o
desenvolvimento da profissão. Os critérios de avaliação da maioria das provas e
dos concursos fomentam o caráter dissociado entre teoria e prática, pois os
alunos memorizam os assuntos com a finalidade de desenvolver os conhecimentos
adquiridos em uma prova, e não para poder aplicá-los. Saber por saber ou saber
para saber fazer. Falso dilema entre teoria e prática
Uma análise das
características da formação inicial e permanente da maior parte das profissões
permite-nos analisar como elas se centraram na aprendizagem de alguns
conhecimentos, ignorando as habilidades para o desenvolvimento da profissão
correspondente. Uma revisão de programas oficiais dos diferentes cursos
universitários e das disciplinas - com o uso da palavra temario* (disciplina),
podemos observar a tendência para organizar os programas por assuntos, isto é,
por blocos de conhecimentos - dos concursos para a maioria dos lugares da
administração pública permite-nos enxergar como eles estão organizados em torno
dos conhecimentos, ou seja, em torno do domínio do corpo teórico dos diferentes
âmbitos profissionais.
Se os conteúdos das
disciplinas são claramente conceituais e estão desligados da prática
profissional, essa característica de dissociação entre teoria e prática
incrementa-se quando analisamos as provas e os critérios de avaliação de grande
parte das provas e dos concursos. Uma simples folheada por esses tipos de
provas permite-nos ver que estão baseadas em uma demonstração por escrito e, em
um tempo limitado, do "conhecimento" que se tem sobre determinado assunto,
sendo poucas vezes um meio para reconhecer a capacidade de resposta a problemas
ou questões da profissão em contextos mais ou menos reais. Deve-se acrescentar
a isso a fragilidade do modelo avaliador ao gerar algumas estratégias de
aprendizagem dirigidas fundamentalmente à memorização de curto prazo. Esse
modelo provoca uma maior dissociação entre teoria e prática, pois os alunos
mobilizam-se para memorizar os assuntos com a finalidade de expor os
conhecimentos adquiridos em uma prova, e não para poder aplicá-los às
diferentes situações que a vida profissional lhes apresentará.
Se nos detivermos no
âmbito da educação escolar e analisarmos as propostas curriculares de grande
parte dos países, poderemos verificar de que maneira a pressão dos estudos
universitários, por um lado, e uma concepção generalizada sobre o valor
intrínseco dos saberes teóricos, por outro, deram lugar a uma educação que
priorizou os conhecimentos sobre sua capacidade para serem aplicados na
prática, apesar das declarações explícitas defendendo um ensino baseado na
formação integral, a qual é entendida como o desenvolvimento de todas as
capacidades da pessoa para poder intervir de modo eficaz nos diferentes âmbitos
da vida.
O valor do saber por
si mesmo determinou − e ainda determina − as características dos sistemas
educacionais e a preeminência da teoria sobre a prática, especialmente nos
países de tradição católica que, herdeiros dos princípios da Contrarreforma,
estão condicionados por um forte componente filosófico de raiz platônica, ao considerar
a preexistência de ideias sobre a realidade (o mito da caverna), e promovem,
com isso, um pensamento generalizante em favor do saber pelo saber. Em
contraposição, a importância da teoria sobre a prática não ocorreu da mesma
maneira nos países de tradição calvinista, que com uma base filosófica de raiz
aristotélica (matéria e forma são coisas reais) valorizavam − e ainda valorizam
− a capacidade aplicativa do conhecimento. É bem conhecido o menosprezo de
muitos membros da "inteligência" de nossas sociedades latinas ao
suposto "utilitarismo" do saber anglo-saxão.
O saber escolar a serviço do saber
universitário
À premissa do saber pelo saber deve-se acrescentar
a concepção do sistema escolar de caráter claramente propedêutico e seletivo,
que entendeu o ensino como um percurso de superação de etapas sucessivas
mediadas cada uma delas por demandas da etapa superior. Assim, a etapa de
educação infantil é vista como o meio de preparação para o ensino fundamental,
que, por sua vez, tem como objetivo preparar para o ensino médio, e esta,
finalmente, é o instrumento para a superação das provas de vestibular.
Portanto, essa verdadeira "carreira" sempre é seletiva, posto que nem
todos cidadãos e cidadãs de um país podem ser universitários e, ao longo do
processo, muitos são rotulados como "fracassados".
Essa dinâmica
educacional baseada na superação de níveis determina que os conteúdos
prioritários do ensino não sejam aqueles que deverão desenvolver todas as
capacidades do ser humano, mas sim os necessários para superar as provas de
vestibular. O resultado é um sistema escolar que, ao fim, forma capacidades
para poder responder de eficazmente a algumas provas ou exames consistentes, de
maneira geral, na reprodução por escrito, de forma mais ou menos literal, de alguns
conhecimentos e alguns procedimentos, os quais se transformaram em rotineiros.
Os países de tradição
católica estão condicionados por um componente filosófico de raiz platônica
quando consideram a preexistência das ideias sobre a realidade, promovendo um
pensamento em favor do saber pelo saber. Os países de tradição calvinista, com
fundamentação filosófica aristotélica, valorizam a capacidade aplicativa do
conhecimento.
A concepção do sistema
escolar de caráter claramente propedêutico e seletivo fez com que se entendesse
o ensino como um trajeto de superação de etapas sucessivas mediadas, cada uma
delas, pelas demandas da etapa superior. A escola reduziu-se a uma simples
"corrente de transmissão" das necessidades do caminho em direção à
universidade. Muitas vezes, ainda persiste a concepção de que quem sabe
"já sabe fazer e sabe ser".
Como consequência, a
escola reduziu-se a um simples instrumento de transmissão das necessidades que
surgem no caminho em direção à universidade. Incluiu, em primeiro lugar, um
ensino centrado em matérias ou disciplinas selecionadas com critérios
arbitrários, muitas vezes como simples resultado da tradição, quando não como
resultado dos interesses de determinados grupos profissionais; e, em segundo
lugar, o posterior desenvolvimento de cada disciplina sob critérios da lógica
da própria matéria, a partir da concepção do saber pelo saber, provocando a
depreciação da prática sobre a teoria.
A tudo isso se deve
acrescentar a concepção da qual dispomos de como aprendemos e a capacidade que
temos para transferir ou aplicar esse conhecimento em diferentes contextos.
Atualmente, sabemos que a aprendizagem da maioria dos conteúdos é uma tarefa
árdua, na qual a simples memorização de enunciados é insuficiente para a sua
compreensão, assim como a transferência e a aplicação do conhecimento adquirido
a outras situações diferentes somente é possível se, ao mesmo tempo, tenham
sido realizadas as estratégias de aprendizagem necessárias para que se produza
a transferência.
Apesar disso, ainda é possível
encontrar argumentos que, de maneira implícita e outras vezes manifesta,
utilizam a concepção vigente na Idade Média pela qual quem sabe "já sabe
fazer e sabe ser". Essa forma de outorgar ao conhecimento um valor por si
mesmo já foi questionada, inclusive na Idade Média, pelo próprio escritor e
pensador Ramon Llull, quando expressou de modo contundente que "o
importante não é o saber, mas sim o saber dizer", referindo-se com os
vocábulos "saber dizer" tanto à forma de expressar e transmitir
quanto à capacidade para aplicar o saber no contexto social e linguístico
apropriado.
A concepção de que
quem sabe "já sabe fazer e saber ser", atualmente inaceitável -
considerando o conhecimento científico e o próprio senso comum − ainda é
utilizada por um bom número de profissionais do ensino ao considerar que pelo
fato de saber, por exemplo, morfossintaxe, geometria, princípio de Arquimedes
ou fotossíntese, alguém já saberá escrever, interpretar as relações entre os
elementos de um corpo de três dimensões, a lógica da natação ou os critérios
para a poda de um arbusto.
A pressão do saber
teórico acadêmico e das ideias errôneas sobre a aprendizagem e a transferência
dos saberes determinaram a preponderância dos conhecimentos factuais e
conceituais. Tanto é assim que, para a maioria dos professores, a expressão
"conteúdos de ensino" limita-se apenas aos conhecimentos, ou seja, ao
saber, dando por certo que os procedimentos, as habilidades, as estratégias, as
atitudes e aos valores são outra coisa, isto é, não são objetos da educação e,
portanto, não são conteúdos do ensino.
Sendo assim, devemos
perguntar se a tradição é aceitável nesses momentos, tanto no sistema escolar
obrigatório quanto na formação inicial e permanente das profissões. Há sentido
na preponderância da teoria sobre a prática? Os conhecimentos devem ser a base
dos conteúdos de aprendizagem na escola? Qual deve ser a função do sistema
escolar?
Crise dos referentes tradicionais
A ascensão de um ensino baseado no desenvolvimento
de competências é motivada pela crise de, pelo menos, três fatores: primeiro,
as mudanças na própria universidade, instituição que, apesar de ser pouco dada
a inovações, a partir da necessidade de convergência europeia, está
replanejando-se profundamente, seja sua estrutura, sejam seus conteúdos. Nesse
processo existem diversos pontos de vista sobre a extensão e as características
das diferentes áreas universitárias; no entanto, não está sendo objeto de
controvérsia o fato de que os conteúdos dos distintos cursos universitários
estejam configurados em torno das competências. Nesse momento, a previsível
inserção das competências na universidade já é um fato e, como conseqüência, o
sistema escolar não pode permanecer alheio a essas mudanças. A tradição de uma
escola como meio de acesso à universidade deve adaptar-se às novas demandas.
O segundo fator é que
a maior pressão social sobre a necessária funcionalidade das aprendizagens
força a introdução das competências. A constatação da incapacidade de boa parte
dos cidadãos escolarizados para saber utilizar os conhecimentos que em tese
possuem, ou que foram aprendidos em seu tempo escolar, em situações ou
problemas reais, sejam cotidianos ou profissionais, está incidindo na
necessidade de revisar o caráter dessas aprendizagens. O questionamento sobre a
desconexão entre teoria e prática provocou, como consequência, uma forte
corrente de opinião favorável a um ensino de competências.
A pressão do saber
teórico acadêmico e as ideias errôneas sobre a aprendizagem e a transferência
dos saberes determinaram a preponderância dos conhecimentos factuais e conceituais,
fazendo com que, para a maioria dos professores, a expressão "conteúdos de
ensino" se limitasse apenas aos conhecimentos. As mudanças na própria
universidade, a pressão social sobre a necessária funcionalidade das
aprendizagens e a função social do ensino propiciam falar de um ensino baseado
no desenvolvimento de competências. A escola deve formar em todas as
competências imprescindíveis para o desenvolvimento pessoal, interpessoal,
social e profissional, superando a função propedêutica e seletiva do ensino
tradicional.
Entretanto, o terceiro
fator é o determinante e, para nós, o que verdadeiramente agrupa as
necessidades da sociedade e, portanto, do sistema educacional. Estamos nos
referindo à função social do ensino. Mencionamos antes o caráter propedêutico e
seletivo da escola tradicional, resultado de um ensino pensado, no fundo, para
as minorias que podiam ingressar na universidade − posição, sem dúvida,
inaceitável para as sociedades as quais se consideram democráticas. Devemos
reconhecer, como argumenta Perrenoud (1997), que uma escola com essas
características fomenta a reprodução de desigualdades sociais. A escola ensina
somente as competências necessárias para aqueless que desenvolverão seu futuro
em um contexto universitário, de modo que somente os que se decidem por esse
caminho poderão aplicar as "competências" aprendidas. Por outro lado,
para todos os que optarem por alternativas, como a incorporação ao mercado de
trabalho ou a formação profissional, a maior parte das competências aprendidas
não serão úteis e, o que é pior, esses indivíduos não irão adquirir as
competências necessárias para poder se desenvolver adequadamente nesses
âmbitos.
O ensino deve ser para
todos, independentemente de suas possibilidades profissionais. Formar em todas
as capacidades do ser humano, com a finalidade de poder responder aos problemas
que a vida apresenta, converte-se, assim, na finalidade primordial da escola: a
formação integral da pessoa como função básica, em lugar da função
propedêutica. Um ensino que não esteja baseado na seleção dos
"melhores", mas que cumpra uma função orientadora que facilite a cada
um dos alunos o acesso aos meios para que possam se desenvolver conforme suas
possibilidades, em todas as etapas da vida, ou seja, uma escola que forme em
todas as competências imprescindíveis para o desenvolvimento pessoal,
interpessoal, social e profissional.
Necessidades formativas para responder aos
problemas da vida
Seguindo por outros caminhos, com o nome de
"competências para a vida" recuperamos de forma inesperada a velha
tradição da Escola Nova. Uma leitura dos textos de Dewey, Decroly, Claparède,
Ferrière, Freinet, Montessori, entre muitos outros, permite-nos constatar hoje
como as novas ideias em torno das competências foram expostas e realizadas por
vários professores em muitas escolas de todo o mundo durante o século XX.
Jargões como "preparar para a vida", "que a vida entre nas
escolas", "a escola que investiga o meio", "a escola
produtora de cultura e não somente transmissora de cultura", e a
importância de uma prática fortemente sustentada pela teoria, fazem com que
recordemos o famoso aforismo de Montaigne "formar cabeças bem feitas, não
cabeças bem cheias" entre outros, foram defendidos por diversos grupos de
professores durante todo o século passado. Assim, as ideias referentes à
formação em competências e para a vida podem recolher o melhor dessa tradição.
Essas ideias
adquiriram um status oficial ao serem compartilhadas pela totalidade das
instâncias internacionais que têm competências no campo da educação, como a
ONU, a UNESCO e a OCDE, e que consideram que a função da escola deve consistir
na formação integral da pessoa, para que esta seja capaz de responder aos
problemas que a vida propõe. Vale lembrar o informe Delors (informe elaborado
para a UNESCO pela Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI,
no ano de 1996, intitulado La educación encierra um tesoro) ao identificar os
quatro pilares fundamentais para essa finalidade: saber conhecer, saber fazer,
saber ser e saber conviver.
Competências e transformação do sistema
escolar
A conveniência da introdução no ensino do termo
"competências", como resultado da fragilidade de uma formação inicial
na qual a teoria predominou sobre a prática, manifesta-se em três níveis de
exigência, cada um deles com um grau diferente de revisão dos currículos
tradicionais.
O menos transgressor é
a conversão para competências dos conteúdos tradicionais, basicamente de
caráter acadêmico. Nesse caso, não existem mudanças nos conteúdos e o que se
propõem é uma aprendizagem desses conteúdos a partir de sua vertente funcional.
Interessa que o aluno saiba utilizar os conhecimentos das matérias
convencionais em contextos variados. Não é suficiente saber morfossintaxe ou
uma lei da física ou um conceito matemático ou histórico; o que realmente
interessa é a capacidade de aplicar o conhecimento à resolução de situações ou
problemas reais. Nesse nível, as mudanças que as competências representam para
o ensino são profundas, pois, apesar da aparente permanência dos mesmos
conteúdos, a estrutura organizacional da escola, a gestão dos horários e a
formação dos professores não são pensadas nem preparadas para um ensino que,
como veremos, exige um tempo maior e uma dinâmica de aula muito distanciada do
modelo tradicional de ensino de caráter transmissivo.
Trata-se de recuperar
a velha tradição de grupos de professores que, durante o século XX, defendiam
esse tipo de ensino e cujas ideias adquiriram status oficial ao serem
compartilhadas, na atualidade, por todas as instâncias internacionais com
competências em educação. Os níveis de exigência que devem ser introduzidos no
ensino são três: a conversão para competências dos conteúdos tradicionais
(basicamente de caráter acadêmico), a necessidade de formação profissionalizante
e a decisão de um ensino orientado à formação integral das pessoas.
O segundo nível de
aplicação do termo "competências" no ensino é o que provém da
necessidade de formação profissionalizante. Nesse caso, os conteúdos acadêmicos
convencionais não são suficientes, pois não incluem muitos dos conhecimentos
teóricos e das habilidades gerais da maior parte das profissões, nem os
próprios conhecimentos de muitas delas. As competências relacionadas ao saber
fazer e ao saber empreender, às quais vale acrescentar todas aquelas
relacionadas ao trabalho colaborativo e em equipe, são fundamentais nesse
âmbito. Nesse nível de exigência, às mudanças relacionadas às estratégias de
ensino implícitas na aprendizagem das competências, devemos acrescentar a introdução
de alguns conteúdos que não provêm de disciplinas tradicionais, o que significa
que existe a necessidade da formação do professor contemporâneo em campos
distanciados de seus interesses e conhecimentos.
Por último, o nível
mais alto de exigência para o sistema escolar corresponde a um ensino que
orienta suas finalidades em direção à formação integral das pessoas. Isso
implica que, como vimos, aos pilares do saber e do saber fazer, acrescentem-se
outros dois: o saber ser e o saber conviver. Consequentemente, a introdução do
termo "competência" no ensino é o resultado da necessidade de
utilização de um conceito que responda às necessidades reais de intervenção da
pessoa em todos os âmbitos da vida, fato que exige uma transformação radical da
escola.
Saber línguas ou ter competências linguísticas
Com a finalidade de constatar a necessidade de
introduzir as competências na escola, vamos utilizar como exemplo o nível de
competência linguística que os habitantes de diferentes países possuem em
função da forma de ensino empregada em seus respectivos sistemas educacionais.
É bem conhecida por
todos a capacidade da maioria dos italianos e argentinos para se expressar
oralmente. Essa capacidade, como resultado de todas as experiências
linguísticas vividas e das influências dos meios sociais, somente pode ser
explicada a partir da vertente educacional, no sentido profundo do termo. Sendo
essas experiências e influências não muito diferentes das de pessoas de outros
países de procedência latina, então nos deparamos com um fator comum − e, de
acordo com o nosso modo de ver, decisivo − que une argentinos e italianos: as
características da avaliação. Tanto na Argentina quanto na Itália, todas as
provas importantes são realizadas oralmente.
A partir disso,
deduzimos que as características das provas de avaliação definem não só o que
se aprende, mas também a maneira de aprender. Determinar a prova oral como o
meio fundamental de avaliação desenvolveu nos alunos italiano e argentino
competências na expressão oral, o que para o restante dos alunos latinos é mais
difícil adquirir. No caso do aluno argentino, por exemplo, surgiu a expressão
"no me guitarrees" para identificar um discurso aparentemente
bem-elaborado, mas sem nenhum conteúdo ou ideia consistente.
Se esse exemplo não é
suficiente para compreender a relação existente entre competência e provas
orais, o modo como é tratado o ensino das diferentes línguas provenientes do
latim e a didática da língua inglesa permitem-nos reconhecer a importância
relativa que as diferentes didáticas atribuem ao conhecimento linguístico para
o seu bom uso. Sendo as habilidades linguísticas as mesmas em qualquer idioma −
falar, escrever, ler e escutar −, a importância que é atribuída ao conhecimento
da teoria linguística é muito diferente entre as línguas de raiz latina e o
inglês. Se analisarmos a maioria dos livros didáticos de idiomas, seja de
francês, espanhol, catalão, galego ou italiano, verificaremos que a própria
estrutura dos livros organiza-se em seções de compreensão de leitura,
gramática, sintaxe e vocabulário. Por outro lado, os livros didáticos de inglês
têm a seguinte estrutura comum: reading, listening, writing e speaking.
* N. de T. No original, temários
referem-se às pautas curriculares que orientam a formação universitária.
Este texto foi originalmente publicado no livro Como aprender e
ensinar competências, de Antoni Zabala e Laia Arnau (Artmed, 2009).