VIRTUDES
Tome cuidado
Relacionamento é uma
tônica que pode perder o gás. E aí fica uma coisa esquisita. Lembrei do início
de todas as coisas: tudo é lindo! O sapato novo não pode ser pisado, riscado.
Tem gente que olha a previsão do tempo antes de calçá-lo: “não quero sujar”. O
carro novo tem de passar incólume pela poça d’água. Não se deve comer dentro,
sobretudo salgadinhos. Não fume, não coma, não passe mal dentro de um carro
novo, quanto mais o alheio. As pessoas têm zelo por estas coisas. Ninguém quer
“macular” o estofado, sujar a lataria.
Mas, depois de um tempo, o negócio já não é tão novo, não
importa se vai sujar. Se vão pisar no sapato novo. Se vai chover ou não. Se vai
ter barro ou poça d’água. O zelo já não tem tanta importância assim. “Ah, já
não é mais novo”.
As pessoas perdem o interesse em manter as coisas
“imaculadas” como eram no começo. E tem gente que trata relacionamento afetivo
como sapato novo. No começo, olha onde pisa, não extrapola. Manda polir, vez
por outra. Evita riscar, só usa em ocasiões especiais. Mas, com o passar do
tempo, aparecem outros modelos mais bonitos, novos, e parece que os antigos
ficam cada vez menos interessantes ou até mesmo inutilizáveis, dependendo da
situação.
Mas, é preciso tomar
cuidado. Cuidado com as ciladas que, vez por outra, nos assolam, e também
cuidar dos relacionamentos que nos edificam, que trazem um punhado de coisas
boas: basta prestar atenção, revitalizar, colorir tudo de novo, vibrar,
reverberar!
Tudo pode ser renovado
todos os dias, mas é preciso tomar conta. É preciso tratar os sentidos como
novidade, criar situações, surpresas boas, reinventar o dia a dia. O
corriqueiro passa batido. E a vida, meu Deus, não pode passar batida, seja nos
momentos de companhia ou não. Afinal, a vida é muito única para passar
corriqueiramente, sem o sentido que alenta, acolhe e conforta.
Reinventar é fazer
tudo sem tempo e espaço, sem preocupar-se com o porvir. É traçar, repintar,
escrever, reescrever. É olhar como se fosse a primeira vez. É tocar, é ouvir, é
descobrir que a magia está no colorido dos olhos e não na névoa que acinzenta.
É preciso polir os riscos de dentro do peito. Passar massa
corrida, restaurar o que for preciso, sem o medo que afugenta, que perscruta o
que não se conhece e, ao contrário, deveria, sim, ser bem vindo.
Tome cuidado com se fosse à estreia do sapato novo. Como se
fosse ao primeiro encontro. No primeiro sorriso ou na primeira descoberta de si
mesmo. Recomponha o seu solado e siga adiante, sem amarras e com o cuidado que
tem de vir do fundo da alma. E tem de ter calma, para ir mais além. Com alguém
ou não. Mas, caminhe. Tome seu rumo. Cuide bem de tudo o que tens.