VIRTUDES
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O coração só bate na pulsação
O coração só bate na pulsação
A compaixão não é fácil, mas parece que nos dias de
hoje ela tem se tornado cada vez mais intangível, porque ninguém quer dar o
braço a torcer. Quer é torcer o braço (do outro)! Há uma violência embutida em
tudo. Uma violência em mostrar-se superior, em arrancar sangue, em espancar, em
fazer valer seus valores desvalorizando tudo o que poderia ser componente de
compreensão e de dignidade.
Há uma semana ouvi uma história que me bateu doído,
como uma agressão desconhecida, daquelas que não se tem notícia na gente. Era
uma história de amor, daquelas bonitinhas de adolescentes, mas por causa dos
personagens envolvidos virou enredo de quase tragédia (ou pode virar ainda, não
sei). Era o amor de duas meninas. A escola chamou as mães, uma bancada de
professores. Todo o mundo apontando o dedo, julgando, só porque elas estariam
“namorando”. Uma escola onde o preconceito bate cartão. Onde se espanca com
palavras, mas onde os desordeiros – aqueles que batem em professor, agridem os
coleguinhas, coordenam uma horda do mal – passam impunes e viram celebridades.
A menina mais velha, após chegar em casa, arrasada
em saber que vai ter que mudar de escola – sim, porque não pode mais ver a
outra –, teve de enfrentar o crivo da mãe e da avó enfurecidas. Foi chutada.
Estapeada. Agredida em todos os gêneros, números e graus. “Você vai ter que
aprender a ser mulher!”, gritavam elas, enquanto lhe batiam, naquelas torturas
que muitos homossexuais já viveram e boa parte das pessoas acha “normal”. E
como é que se aprende a ser mulher? Batendo? Apanhando? Rejeitando uma verdade
que não se escolhe?
E a flor aqui do lado, amarela, é o símbolo da
delicadeza das coisas, da sutileza e de tudo o que é tão lindo diante de nós.
Portanto, uma oração para quem bate. Uma oração para quem apanha. Uma oração
para quem não sabe o que é perdão, compaixão, entendimento. Porque o amor só
bate na pulsação do coração. Só. E nada mais. Que esta seja a nossa batida,
porque agressão não faz um mundo melhor, nem seres humanos melhores, por causa
de orientação sexual.
Mônica Kikuti