VIRTUDES
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VIRE
OS OLHOS
Há uns
dois anos, me mandaram um vídeo sobre gratidão e, desde então, sempre tenho
observado o céu com a vontade de enxergar o inesperado. E o inesperado sempre
está ali, descortinando novos desenhos, nuvens, sol ou chuva e uma amplidão de
azul. Porque nenhum dia é igual ao outro. Entretanto, muitos têm levado uma
vida tão robótica, que a mesmice vai minando aquela capacidade criativa, tão
inspiradora, trazendo mais dissabor do que amor. Mais frio do que calor. Mais
lamento que emoção.
A racionalidade tem sido palavra de ordem, com a
premissa – talvez sombria – de ser o atalho para o amadurecimento. Agimos e
falamos com desenvoltura, mantemos discussões acaloradas e santificamos o
metodismo como o pão nosso de cada dia. Ele está ali na xícara de café com
leite. Na porta de entrada do trabalho. Nas reuniões intermináveis, nas
conversas (sempre) das mesmas coisas e sob os mesmos ângulos. Não há espaço
para enxergar um pouco mais. É sempre o que está ali, visível, como se a gente
nunca pudesse fazer uso da “visão além do alcance”. Por onde andam a imaginação
e a criatividade, dupla tão dinâmica e apaixonante em nos trazer o “não
manifesto” diante dos olhos? O que se pode criar dentro da gente quando tudo o
que está lá parece vazio do lúdico que nos embala e nos leva para onde
quisermos ir?
Assisti a um filme chamado “O Reencontro”. O
personagem principal, que era escritor, disse a uma garotinha, ansiosa em criar
suas próprias histórias: “Nunca deixe de procurar pelo que não está lá.” Esta
frase reverbera um eco de possibilidades, estilhaçando a solidez com a qual
muitos deixam passar todos os instantes da vida: a rigidez do olhar é sempre
enfadonha, bloqueadora. Ela não se amplia. Não se abre para o que não está lá e
nem para o que está.
E uma amiga me disse algo profundamente verdadeiro
que vem sendo esquecido, dia após dia, por milhares de pessoas: “A gente tem
que virar os olhos em tudo na vida!”. Virar os olhos, não para pensar “Humpt,
que saco!”, mas virar os olhos para as coisas mais rotineiras, inclusive, para
o céu. Virar os olhos não está estritamente ligado a apaixonar-se por alguém,
sentindo borboletas no estômago, mas fazer com que estas borboletas façam
outros voos diante de nós. Que elas sejam infinitas na magnitude das coisas
palpáveis e não palpáveis. Que elas tragam cores e quentura para o café com
leite. Para a porta de entrada do trabalho. Para as reuniões (mesmo as
intermináveis). Para as conversas de sempre, mas desta vez com novas
borboletas. Porque a gente tem a capacidade de criar, de imaginar, de colorir,
mesmo quando o céu está nublado. Não há dia chuvoso, para quem é sol e sabe
virar os olhos, virar a página e virar o inverso das coisas!
Mônica Kikuti