Educação
Um
trabalho em cooperação
É necessário que as fronteiras e a hierarquia entre família e escola
tornem-se menos rígidas, o que será possível a partir da (re)definição das
tarefas educativas de cada sistema.

Historicamente, desde a década de 1950, quando houve o surgimento do
movimento higienista, a família passou a ser alvo de intervenções e orientações
para o cuidado e a criação dos filhos (Oliveira, 2002). As escolas também foram
imbuídas de uma ação higienista em relação à família e voltada à educação de
crianças saudáveis. Estudos atuais reiteram a continuidade desse movimento
naturalizado dentro e fora da escola. O professor, nessa perspectiva, passa a
reproduzir a hierarquia existente entre o saber da escola sobre o da família
(Carvalho, 2004; Viana, 2005).
Estudiosos do tema sugerem que,
para modificar alguns aspectos dessa relação, é preciso que os profissionais
envolvidos na educação aceitem que seu saber educativo não pode distanciar-se
do saber das famílias nem se colocar acima dele (Vila, 2003). Convergência e
aproximação dos saberes parece ser a “receita” para a construção de relações de
confiança mútua e cooperação entre a família e a escola, compartilhando um
mesmo projeto educativo. Também é preciso que as escolas reflitam sobre suas
práticas pedagógicas, assumindo as responsabilidades de sua ação, revertendo a
postura “queixosa” em relação à família e tomando-a como parceira (Ditrano e
Silverstein, 2006).
Frente a esse desafio, vários
estudos têm apresentado um resultado preocupante: à medida que os alunos
progridem na escola, a família participa e os acompanha menos (Silveira, 2007).
Se a relação tende a ser enfraquecida conforme as crianças e os adolescentes
evoluem na escola, no ensino médio temos uma perspectiva de lassidão e
afastamento entre família e escola.
Como fica a relação família-escola?
Não é novidade que o ensino médio vem sendo alvo de diversos
questionamentos feitos pela sociedade brasileira, seja por questões contextuais
relacionadas à proposta educativa, pelas mudanças nas vivências dos
adolescentes, por questões socioeconômicas e culturais ou pela interdependência
entre esses fatores (Epstein, 2002; Reis, 2012). Devido à tardia democratização
do ensino médio na escola pública brasileira, sua identidade ainda é confusa e
inacabada (Krawczyk, 2011).
Nesse panorama, os alunos
desejam participar dessa etapa escolar e têm uma imagem positiva da escola,
mas, por vezes, esbarram na incompreensão de aspectos específicos da
apropriação dos saberes. Tal fato apresenta-se como um fenômeno importante em
nossa realidade e encontra respaldo em diversos estudos que se fundamentam na
importância da relação família-escola para melhor desenvolvimento e rendimento
escolar dos adolescentes.
O ensino médio abarca um bom
período da adolescência, etapa da vida bastante intensa, repleta de conflitos e
tarefas de grande repercussão na vida do jovem e de sua família. A
(des)construção da identidade adolescente/jovem, as escolhas afetivas e
sexuais, a escolha profissional, a autonomia/dependência dos grupos e as
oposições familiares são alguns dos pontos de conflito que surgem nessa relação
entre os sistemas educativos. Estudos internacionais têm mostrado que programas
bem-delineados para melhorias na relação família-escola podem ajudar as
famílias a apoiar a educação dos filhos no ensino médio (Polonia e Dessen,
2005).
Um modelo de estudos, pesquisas e
intervenções tem sido utilizado em um centro de estudos americano, a Johns
Hopkins University (Epstein et al., 2002), para desenvolvimento da parceria
família-escola-comunidade. Esse modelo contempla a análise de seis tipos de
envolvimento dos contextos em questão (parentalidade, comunicação,
voluntariado, aprendizagem em casa, tomada de decisões e colaboração com a
comunidade). Os autores, além de enfatizar cada um desses elementos, referem
sugestões de atividades para o fortalecimento dessa parceria.
A referência à parentalidade e as
relações entre pais e filhos trata da importância da promoção de atividades
para o fortalecimento das habilidades parentais, das condições em casa para a
aprendizagem dos filhos e da compreensão do desenvolvimento do adolescente.
Promover a criação de espaços como workshops, painéis e grupos em que os pais
possam trocar ideias entre si, com especialistas e educadores a respeito da
adolescência, seria o recomendado, pois esse tema é gerador de grandes
prejuízos acadêmicos, familiares e sociais, contemplando a discussão acerca dos
papéis e das responsabilidades de cada sujeito — aluno, escola e família.
Destaca-se ainda a necessidade
de novas formas de comunicação família-escola, abordando-se novos assuntos além
de problemas disciplinares e rendimento escolar dos alunos. Em estudos
brasileiros, também há evidências de que a comunicação escrita sobre a
disciplina é a referência das famílias a respeito do tema, a qual lhes chega
como queixa da escola (Silveira, 2007). Por isso, esse tema tem-se revelado um
grande desafio, especialmente para as escolas.
O voluntariado, prática mais comum
nas escolas americanas do que nas brasileiras, abrange as ações que visam ao
envolvimento das famílias e da comunidade em geral nos programas que a escola
desenvolve, favorecendo-os. Muitos alunos continuam colaborando com a escola
após a conclusão dos estudos. Em outros países, até mesmo da América Latina, a
prática é comum em relação a atividades cívicas; no Brasil, observa-se a
existência de tais ações voltadas ao bom rendimento escolar em vestibulares e
provas de ingresso à universidade. A aprendizagem em casa, por sua vez, não
deve englobar apenas atividades ou tarefas relacionadas às disciplinas da
escola, e sim incluir tarefas interativas, ambientes que remetam a assuntos
acadêmicos e decisões sobre os percursos após o ensino médio.
A tomada de decisões leva as
famílias à participação nas políticas educacionais que afetam a elas e a seus
filhos. O incentivo à participação em conselhos escolares, associações de pais
e mestres e até mesmo representações de turma em cada escola são exemplos de possibilidades
de participação na vida acadêmica dos filhos. Em nosso contexto, é fundamental
o exercício da cidadania dos pais como parceiros da escola frente aos objetivos
educacionais. Entretanto, o que se tem observado é que, muitas vezes, a
participação dos pais vai apenas ao encontro da defesa de seus interesses
econômicos e privados, o que reitera a falta de desejo da escola pela
participação familiar.
Por fim, a dimensão relativa à
colaboração com a comunidade mostra-se pouco expressiva na sociedade brasileira.
Entende-se que esta ainda é uma prática em construção e que a escola seria o
espaço apropriado para o exercício de tais valores. A diversidade do nosso país
seria uma ótima oportunidade para o crescimento dos grupos, já que a ideia de
colaboração envolve integração cultural, religiosa, de organizações econômicas
e até mesmo de escolas públicas e privadas.
Como fazer?
É fundamental que se entenda que pais e professores assumem lugares
distintos e cumprem funções diferentes, porém complementares, na educação de
crianças e adolescentes. Aproximar os pontos convergentes e definir algumas
responsabilidades certamente potencializaria os recursos existentes nessa
relação em benefício dos sujeitos que não podem prescindir de nenhuma das duas
instâncias em sua formação.
Uma das propostas para atingir
a esperada convergência entre os dois sistemas educativos é a coerência entre
as práticas educativas do sistema escolar e familiar. Para isso, é importante
criar entre família e escola um espaço de acolhimento, ajuda e aprendizado
mútuo de estratégias produtivas e eficazes na educação de jovens e crianças.
Resultados de pesquisas
revelam que a família e a escola ocupam domínios específicos e intransponíveis
frente às suas ações. Desse modo, corre-se o risco de que, com ações
exclusivas, os sistemas percam força e suas estratégias tornem-se menos
eficazes. Essa falta de articulação das ações educativas de ambos os sistemas
revela a passividade e a falta de participação parental na escola devido à
aceitação do saber “dos especialistas” como superior (Dowling, 1996; Silveira,
2007).
Parece que a família
encontra-se “desempoderada” de suas funções educativas, enfraquecida na sua
autoridade, tanto pela manutenção do movimento higienista quanto pela difusão
das ideias psicológicas sobre a adolescência. O turbilhão vivido por
adolescentes e suas famílias agora se apresenta à escola, questionando não
apenas métodos, técnicas e conteúdos, mas também práticas e valores educativos.
A quantidade de informação disponível sobre a adolescência parece,
paradoxalmente, facilitar e ao mesmo tempo assustar os pais quanto à educação
de seus filhos.
Será realmente possível
construir um modelo cooperativo? É necessário que as fronteiras e a hierarquia
entre família e escola tornem-se menos rígidas, o que será possível a partir da
(re)definição das tarefas educativas de cada sistema para que se efetive a
ideia de cooperação. Destaca-se, então, a importância de um olhar que contemple
a interdependência da família e da escola, ampliando a compreensão de fenômenos
como a educação de crianças e adolescentes. As possibilidades de intervenção e
investigação em tais contextos são um campo fértil, especialmente em caráter
preventivo para a otimização de tais sistemas como espaços promotores de saúde.
Afinal, “Navegar é preciso; viver não é preciso!”.
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Luiza
Maria de Oliveira Braga Silveira é psicóloga, mestre e doutora em Psicologia e professora do curso de
Psicologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
(UFCSPA).
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