EDUCAÇÃO
Formação continuada de professores
Francisco Imbernón
O autor faz uma
reflexão que ajuda a compreender o discurso atual da formação do professor e
permite não apenas pensar, mas também gerar alternativas de futuro
Houve um avanço no conhecimento teórico e na prática da formação
continuada do professor, não podemos negar, e levamos poucos anos (comparado
com outras disciplinas ou temáticas educativas) analisando, pesquisando e
escrevendo sobre isso.1 Refiro-me tanto às análises teóricas quanto às práticas
de formação. Seria possível argumentar que a preocupação de formar professores,
a formação inicial, é muito mais antiga. Assim, a formação inicial de
professores foi exercida, de uma maneira ou de outra, desde a Antiguidade,
desde o momento em que alguém decidiu que outros educariam os seus filhos e
esses outros tiveram de se preocupar em fazê-lo. Contudo, a inquietação de
saber como (na formação inicial e, principalmente, na continuada), de que modo,
com quais conhecimentos, com quais modelos, quais modalidades de formação são
mais inovadoras e, sobretudo, a inquietação de ter a consciência de que a
teoria e a prática da formação devem ser revisadas e atualizadas nos tempos
atuais é muito mais recente.
Se nos inserimos na formação continuada, podemos constatar que o
conhecimento que tem se criado sobre ela, nos últimos 10 anos, nasce em uma
época de vertiginosas mudanças, na qual tudo o que nasce é criado, projetado,
etc., começando a ser obsoleto e ultrapassado no momento em que surge. Isso nos
impõe uma constante reconceitualização, isto é, uma reflexão de zonas
intermediárias da prática, como a singularidade, a incerteza e o conflito de
valores (Schön, 1992), além de uma indagação constante sobre a formação do professor
− seja inicial, seja continuada. É nesse âmbito que surgem os problemas, uma
vez que é mais fácil basear-se em aspectos antigos, mesmo funcionando bem ou
mal, a se arriscar na apresentação de temas novos, embora necessários.
Se analisarmos a maioria dos estudos sobre a formação continuada,
constataremos que estes foram movendo-se de uma fase descritiva, com muitos
textos sobre a temática, para uma mais experimental, sobretudo devido ao auge e
à difusão dos cursos de formação ou similares e ao interesse político (ou
intervencionista) sobre o tema, que foi aumentando e que se reflete nas
políticas institucionais, nas pesquisas e nas publicações. Durante os anos de
1980, 1990 e 2000, realizaram-se centenas de programas de formação continuada
de professor, cuja análise rigorosa desqualifica alguns, mas mostra que outros
apresentam novas propostas e reflexões que podem ajudar a construir o futuro
dessa formação.
No entanto, já não estamos nos últimos 30 anos do século XX, período em
que muito se avançou, mas sim no século XXI. São tempos diferentes para a
educação e para a formação. Com a chegada do século XXI, é como se faltasse
algo que fizesse voltar a tomar impulso, mas esta também pode ser a minha
perspectiva. Quando olho em volta dos pátios das escolas, dos institutos ou dos
cafés das universidades, vejo pouca mudança, uma maior desmobilização do setor
educacional: as revistas educativas vendem menos e reduzem tiragens, assim como
outras publicações de caráter pedagógico. Esses fatos levam a pensar que muitos
dos que se dedicam ao nobre ofício do ensino não leem, pelo menos não o
suficiente.
Além disso, muitos educadores que formam professores e formadores de
opinião desapareceram do mapa profissionalizante e divulgador: atos, jornadas,
congressos, debates, entre outros. Alguns, já em idade avançada, acreditaram na
última reforma, a da década de 1990, e cansados de mostrar sua desconformidade
já não falam, ou se isolam com a pré-aposentadoria, nos escritórios de qualquer
administração ou nas cômodas aulas de universidades. Outros, que dizem que já
advertiam, concentram-se em suas atividades (a maioria era e é docente
universitário) ou fazem críticas destrutivas contra tudo (agora podem fazer sem
serem tachados de conservadores, sendo possível até acontecer o contrário).
Alguns se vendem ao poder midiático ou político do ensino, apoiando com sua
presença, com seu silêncio suspeito ou com seus relatórios técnicos, os que
atualmente administram a educação do país correspondente - o que implica desde
políticas conservadoras até liberais. Poucos persistem em sua função; outros a
realziam de forma tão profunda que não se desprendem dela, ancorando-se no
exercício da crítica feroz; outros poucos ainda acreditam que coisas boas podem
ser feitas e que tempos melhores virão.
Também em numerosas partes deste planeta pode-se fazer pouco, já que
muitos educadores encontram-se ainda em situação de pobreza. Como dizia um
poeta,2 o nível cultural de um país é medido pelo salário de seus professores,
e muitos países têm um nível cultural excessivamente baixo, em que seus
docentes são mal pagos. Não obstante, cabe constatar que tantas coisas
necessárias e tanta análise desorientam, e tal desorientação (ao menos sofrida
por mim) tem sua causa no fato de que, buscando alternativas, avançamos pouco
no terreno das ideias e nas práticas políticas, com o objetivo de compreender o
que significa uma formação baseada na liberdade, na cidadania e na democracia.
É difícil, com um pensamento educacional único predominante (currículo
igual, gestão idêntica, normas iguais, formação igual para todos, etc.),
desmascarar o currículo oculto que se transmite na formação do professor e
descobrir outras maneiras de ver a educação e interpretar a realidade. A
educação e a formação docente devem romper essa forma de pensar que leva a
analisar o progresso e a educação de uma maneira linear, sem permitir integrar
outras formas de ensinar, de aprender, de se organizar, de ver outras
identidades sociais e manifestações culturais, de se escutar e de escutar outras
vozes, sejam marginalizadas ou não. Mais adiante exercitaremos isso.
Para onde nos levam os tempos passados? Aqui, interessa-me fazer uma
reflexão que ajude a compreender o discurso atual da formação do professor e
que permita não apenas pensar, mas também gerar alternativas de futuro. Não é
objeto desta reflexão questionar as partes ocultas da formação, mas sim
visualizar o que considero importante nas etapas em que divido esta pequena
genealogia da formação. Tais etapas são:
·
Até os anos de 1970: início.
·
Anos de 1980: paradoxo da
formação. O auge da técnica na formação e a resistência prática e crítica.
·
Anos de 1990: introdução da
mudança, apesar de tímida.
·
Anos 2000 até a atualidade:
busca de novas alternativas.
Até
os anos de 1970: início
Embora consciente da superficialidade e da falta de rigor que supõe situar qualquer temática em tão longo período, porque em qualquer época sempre se produzem muitas idas e vindas históricas e educacionais, o que pretendo propor é que, na maioria dos países latinos, a análise da formação do professor como campo de conhecimento não começa a se desenvolver até por volta da década de 1970, quando se realizou toda uma série de estudos para determinar as atitudes dos professores em relação aos programas de formação continuada. Na maioria dos estudos, analisava-se a importância da participação docente nos processos de planejamento das atividades de formação. Começava o que Sparks e Loucks Horsley (1990) chamavam "o início da era da formação continuada", que culminaria nos anos de 1980.
Embora consciente da superficialidade e da falta de rigor que supõe situar qualquer temática em tão longo período, porque em qualquer época sempre se produzem muitas idas e vindas históricas e educacionais, o que pretendo propor é que, na maioria dos países latinos, a análise da formação do professor como campo de conhecimento não começa a se desenvolver até por volta da década de 1970, quando se realizou toda uma série de estudos para determinar as atitudes dos professores em relação aos programas de formação continuada. Na maioria dos estudos, analisava-se a importância da participação docente nos processos de planejamento das atividades de formação. Começava o que Sparks e Loucks Horsley (1990) chamavam "o início da era da formação continuada", que culminaria nos anos de 1980.
Os esforços anteriores, protagonizados por algum grupo ou instituição,
são fatos esporádicos, renovadores ou conservadores, que não tiveram uma
repercussão institucional na profissão, embora tivessem um impacto importante,
o qual será tratado adiante. No entanto, nem por isso podemos dizer que
qualquer época passada foi pior. As experiências e as contribuições de Dewey,
Freinet, Montessori e dos professores seguidores de sua pedagogia eram
praticadas em muitas escolas. Os cursos, os seminários, as oficinas que de
forma quase clandestina se organizavam sobre sua filosofia educativa ou sobre
suas técnicas, os movimentos sindicais, políticos e de renovação pedagógica,
alguns pedagogos locais, a influência de algumas revistas pedagógicas e a
função assumida por determinadas instituições educacionais ressaltaram a
importância e a transcendência da formação do professor para uma verdadeira
mudança da instituição educacional, que ainda estava presa a posições autoritárias,
classistas, uniformizadoras e seletivas.
A necessidade de formação em aspectos diferentes daquelas que eram
propostas pelas administrações ou universidades era premente, o que ajudou no
questionamento de muitos aspectos educacionais. Foram tempos em que se
institucionalizou a formação inicial de professores, formação essa que nasceu
pobre e desvalida mais de um século antes e que se desenvolveu separadamente
(professores e professoras), exceto em breves épocas. A década de 1970 foi um
tempo em que a formação continuada viveu o predomínio de um modelo individual
de formação: cada um buscava para si a vida formativa, ou seja, primava-se pela
formação inicial, que era melhor ou pior segundo a época e o território, e
aplicava-se à formação continuada a ideia "forme-se onde puder e como
puder".
Esse modelo caracterizava-se por ser um processo no qual os mesmos
professores "planejavam-se" e seguiam as atividades de formação que
acreditavam que lhes poderiam facilitar algum aprendizado. Foi uma época na
qual inquietos estudantes e professores liam velhos e novos autores, alguns
proibidos e publicados no exterior, de movimentos espontâneos de professores,
de escolas de verão meio clandestinas e do nascimento de instituições, a
maioria delas universitárias, dedicadas à formação. Apesar das pequenas épocas
gloriosas (diríamos que mais gloriosas do que realmente foram, devido à
tendência de mitificar o passado), formavam-se poucos professores, possuíam o
monopólio de um pequeno saber que durava toda a sua vida profissional. No
entanto, temos de valorizar o esforço desses grupos renovadores que se
comprometeram em cursos, em jornadas e com revistas, dando um vigor às práticas
educacionais. Algumas dessas iniciativas ainda sobrevivem ou foram a semente de
frutos posteriores.
Anos de 1980: paradoxo da formação. O auge da técnica na formação e a resistência prática e crítica
No início dos anos de 1980, a sociedade espanhola, com muito atraso em relação a outros países, consegue a escolarização total da população, fato que sucede em um contexto de desenvolvimento industrial e de emigração para as grandes cidades. Este e outros aspectos sociológicos sugerem uma mudança na escola, já que as salas de aula se enchem e os professores assumem um novo papel. O trabalho docente nas escolas de graduação obriga os educadores a considerarem uma forma diferente de trabalhar. São introduzidos elementos técnicos, como planejamento, programação, objetivos bem-estabelecidos, avaliação, etc., que terão sua difusão na etapa seguinte. Além disso, luta-se contra o analfabetismo, próprio de muitas camadas da população.
Anos de 1980: paradoxo da formação. O auge da técnica na formação e a resistência prática e crítica
No início dos anos de 1980, a sociedade espanhola, com muito atraso em relação a outros países, consegue a escolarização total da população, fato que sucede em um contexto de desenvolvimento industrial e de emigração para as grandes cidades. Este e outros aspectos sociológicos sugerem uma mudança na escola, já que as salas de aula se enchem e os professores assumem um novo papel. O trabalho docente nas escolas de graduação obriga os educadores a considerarem uma forma diferente de trabalhar. São introduzidos elementos técnicos, como planejamento, programação, objetivos bem-estabelecidos, avaliação, etc., que terão sua difusão na etapa seguinte. Além disso, luta-se contra o analfabetismo, próprio de muitas camadas da população.
À
época, a formação inicial adquire nível universitário a partir de uma reforma
neocapitalista. Embora tudo isso tenha ocorrido na década de 1970, muitos anos
tiveram que passar para haver uma verdadeira integração na cultura da
universidade. O país integra- se em um processo social e econômico que
apresenta diferenças significativas em relação a épocas anteriores. Para se
adequar a essa reforma, as universidades começam a criar programas de formação
continuada de professores, que são situados, em sua maioria, em modalidades de
treinamento e de práticas dirigentes próprias do modelo de observação/avaliação
(como o microensino mediante circuitos fechados de televisão, os programas de
minicursos, a análise de competências técnicas, entre outros), e não na
perspectiva em que a reflexão e a análise são meios fundamentais para a
formação. Isso acontecerá muito tempo depois, e alguns que defendiam com
entusiasmo o autoritarismo dessa época se convencerão vergonhosamente da nova
linguagem.
A observação do ensino pelo próprio professor e por outros passa a
facilitar a obtenção de dados pelo docente, os quais geram reflexão e análise a
fim de favorecer a aprendizagem dos alunos. Mesmo assim, a racionalidade que
vai existir por trás é a dirigente. Trata-se de uma época predominantemente
técnica e de rápido avanço do autoritarismo sem alternativa e com o aval de
gurus racionalistas. Época na qual o paradigma da racionalidade técnica nos
invade e contamina, na qual a busca das competências do bom professor para
serem incorporadas a uma formação eficaz é o principal tópico de pesquisa na
formação continuada docente. Mas também é um período paradoxal, de crise de
valores (também se fala de crise ecológica e política), que anuncia uma nova
época que vai chegando pouco a pouco, mediante vozes e leituras alternativas:
·
os elementos da pós-modernidade
vão sendo introduzidos na sociedade e nas escolas, como é o caso da discussão
dos grandes metarrelatos, que até esse momento haviam permanecido inalterados
(liberdade, fraternidade, solidariedade, igualdade, etc.). A pós-modernidade3
ia avançando com seus componentes negativos e positivos;
·
o compromisso de educar a todos
aumenta mediante uma escolarização total da população;
·
as administrações educacionais
começam a considerar a educação em termos de custo-benefício, examinando a
rentabilidade do gasto público em educação sob um modelo tecnocrata;
·
muitas diferenças sociais passam
a ser observadas, assim como desigualdades crescentes e um maior abandono na
educação por parte da população escolarizada;
·
a "autoridade" do
professor e seu "monopólio do saber" começam a ser questionados, não
pelas novas tecnologias, que são ainda incipientes na educação, mas pelo acesso
massivo da população à cultura;
·
a teoria do capital humano está
em crise, e o ensino já não resolve os problemas de desemprego;
·
leituras e movimentos críticos
abrem uma porta a outra forma de ver a educação e a formação.
Considerar essa época da perspectiva
atual aventura-me a dizer que foi um período em que o modelo hegemônico de
educação e formação foi tão difundido e incrível, que marcou toda uma geração
de professores que ainda padecem das contradições evidentes entre o que fizeram
e o que atualmente pensam que se deveria fazer. Esses docentes foram formados
no autoritarismo, com fundo positivista e com uma visão técnica de um ofício no
qual havia soluções teóricas para tudo e para todos. Acreditaram nisso ou se
forçaram a crer para depois colocar tudo em quarentena. Alguns ainda não superaram
isso.
Anos de 1990: introdução da mudança, apesar de tímida
Em alguns países, a formação continuada chegou a institucionalizar-se durante a reforma anterior, a qual apareceu por volta dos anos de 1970, e no resto dos países a partir da reforma da década de 1980. Segundo o discurso daquela época, a institucionalização da formação continuada nasce com a intenção de adequar os professores aos tempos atuais, facilitando um constante aperfeiçoamento de sua prática educativa e social para assim adaptá-la às necessidades presentes e futuras. A própria expressão "aperfeiçoando-se" já indicava uma forma espiritual de tratar a formação, do mesmo modo que a formação personalizada, tão na moda naquela época.
Anos de 1990: introdução da mudança, apesar de tímida
Em alguns países, a formação continuada chegou a institucionalizar-se durante a reforma anterior, a qual apareceu por volta dos anos de 1970, e no resto dos países a partir da reforma da década de 1980. Segundo o discurso daquela época, a institucionalização da formação continuada nasce com a intenção de adequar os professores aos tempos atuais, facilitando um constante aperfeiçoamento de sua prática educativa e social para assim adaptá-la às necessidades presentes e futuras. A própria expressão "aperfeiçoando-se" já indicava uma forma espiritual de tratar a formação, do mesmo modo que a formação personalizada, tão na moda naquela época.
A institucionalização da formação teve sua parte negativa, já que a
formação do professor, historicamente envolvida por uma racionalidade técnica,
com uma visão determinista e uniforme da tarefa dos professores e reforçada
pelos processos de pesquisa positivistas e quantitativos que eram realizados,
potencializou um modelo de treinamento mediante cursos padronizados que ainda
perdura. Tal modelo de treinamento é considerado sinônimo de formação
continuada e configura-se como um modelo que leva os professores a adquirirem
conhecimentos ou habilidades por meio da instrução individual ou grupal que
nasce da formação decidida por outros. Em um curso ou em uma sessão de
"treinamento", os objetivos e os resultados almejados são claramente
especificados por alguém e costumam ser propostos em termos de conhecimentos ou
do desenvolvimento de habilidades.
Um dos resultados esperados, hipoteticamente e sem comprovação
posterior, é que se produzam mudanças nas atitudes e que estas passem para a
sala de aula. Nesse modelo, o formador ou o administrador na ocasião é quem
seleciona as atividades formadoras, supostas como as que deverão ajudar os
professores a alcançar os resultados esperados. No entanto, há muitos anos se
sabe que isso é algo que não funciona completamente ou, ao menos, não na
maioria dos países. Se o processo de cursos implica algum retorno da prática
docente, uma vez que se volta à sala de aula e posteriormente se realiza um
acompanhamento dos professores, é possível que tal modelo funcione melhor. Se,
uma vez realizado o curso, deixa-se o professor fazer o esforço de
contextualizar o que recebeu, embora seja de forma magistral por parte de um
bom especialista, a transferência para a prática é mais que discutível. Essa é
uma tarefa demasiado grande e muitas vezes impossível na realidade da prática
do ensino.
Entretanto, também nessa época começaram a se desenvolver aspectos
positivos: a preocupação do âmbito universitário com estudos teóricos, uma
consciência maior dos professores comprometidos, que demandava uma formação na
qual os professores estivessem mais implicados, o desenvolvimento de modelos de
formação alternativos, como o questionamento da prática mediante projetos de
pesquisa-ação, a aproximação da formação dos cursos de formação de professores,
o aparecimento de grande quantidade de textos, traduzidos e locais, com
análises teóricas, experiências, comunicações, assim como a celebração de
encontros, jornadas, congressos e similares. O campo de conhecimento da
formação dos professores, embora no princípio apresentasse uma certa confusão
conceitual e uma grande atividade de cópia de literatura distante de nosso
contexto, por uma parte, permitiu que se começassem a questionar aspectos que
durante muito tempo haviam permanecido inalterados.
Por exemplo, o modelo de treinamento que anteriormente comentávamos, a
dependência dos professores de pessoas ou de algo que lhes era alheio
(universidade, especialistas, consultorias ou administração) e que lhes
ensinasse a ensinar - o que em parte ainda perdura -, a não participação dos
professores no planejamento da formação, as palavras de um especialista que
ilumina as mentes, mas não os espíritos, ou a interrupção de uma inércia
institucional. Por outro lado, tal campo de conhecimento da formação
potencializou o aparecimento de elementos novos que atuariam como forças ocultas
e propulsoras de um novo pensamento e processo formativo.
Nessa época, anos de 1990, algo se move na formação. Como eu dizia
antes, já fazia tempo que se iam introduzindo com mais ou menos força novos
conceitos e novas ideias. A literatura pedagógica anglo-saxônica era lida e
traduzida, e assim se difunde com rapidez a pesquisa-ação, um novo conceito de
currículo, os projetos, a triangulação e a reflexão na formação, sendo que esta
aparece um pouco mais tarde com as obras de Schön - ninguém mais recordava os
clássicos nem Dewey, que já era citado fazia tempo. Schön tem suas ideias
difundidas tão rapidamente, que elas alcançam o mesmo patamar dos conceitos
mais conhecidos anteriormente. Cria-se uma ilusão de mudança: a ilusão de que
se abandonam certas políticas técnicas e de que se avança por caminhos mais
progressistas.4 As mudanças políticas e sociais ajudam. Também é certo que
muitas das novas ideias são assumidas como modismos, e há momentos em que não
se pode distinguir quem as pratica de quem unicamente fala sobre elas, nem os
que antes defendiam tenazmente o dirigismo e suas derivações dos que agora se
convertem a essa nova religião e saem em sua defesa, centrados em suas ideias,
mas não em suas práticas. Também é certo que a colegialidade artificial, na
elaboração de projetos educativos e curriculares, faz com que os professores
desencantem-se e vejam isso mais como um artifício pedagógico do que como uma
inovação.
Essa foi uma época fértil na formação continuada dos professores, já que
os cursos de formação consolidaram-se na maior parte da Espanha e, com
denominações semelhantes em muitos países latino-americanos, apareceram novas
modalidades, como a formação em escolas ou em seminários permanentes e a figura
do assessor. Em relação a esse fenômeno, é importante ressaltar que naqueles
momentos essas tarefas foram assumidas pelos professores que provinham da
renovação pedagógica e do combate educativo que a ditadura originou, o que deu
um aspecto diferente ao modo de enfocar os temas de formação.
Apesar de ser um período produtivo, também foi uma época de grandes
confusões, de discursos simbólicos, de um modelo de formação baseado no
"treinamento" dos professores mediante os planos de formação
institucional. Uma época de ascensão dos movimentos de renovação pedagógica,
que quase são aniquilados não por disputas internas, mas porque muitos de seus
membros assumem tarefas de governo e dedicam-se a outras coisas. Foi um período
de adesão massiva, sobretudo universitária, às novas ideias por uma simples
questão de modismo. Essas ideias fazem-se onipresentes em textos, discursos e
declarações públicas. O novo discurso torna-se comum, excessivamente comum,
entre aqueles que, apenas há alguns anos antes, haviam aderido com o mesmo
entusiasmo à racionalidade mais técnica da formação. As palavras confundem-se,
mesmo que as pessoas e suas origens sejam as mesmas, circunstância que envenena
as propostas.
Definitivamente, esta foi uma época frutífera, mas também de grande
confusão. Época de grandes mudanças, na qual começamos a ser conscientes da
evolução acelerada da sociedade em suas estruturas materiais, institucionais e
formas de organização da convivência, bem como em seus modelos de produção e
distribuição. Enfim, uma época criativa e muito importante na formação
continuada, cujas contribuições e reflexões ainda estamos assimilando. A
mistura do modelo de treinamento com os planos de formação, o modelo de
desenvolvimento e melhoria, surgido a partir da reforma introduzida pelas leis,
ao se estabelecerem os projetos educativos e curriculares, o modelo
questionador, com a forte incorporação do conceito "paraguas de professor
investigador",5 a pesquisa-ação, tão divulgada e conhecida, porém pouco
praticada por suas necessárias condições de desenvolvimento, e a maioria dos
textos sobre o campo de conhecimento fazem com que agora seja a época em que se
inicia uma nova maneira de enfocar, de analisar e de praticar a formação dos
professores. Mesmo que ainda haja o predomínio de um discurso excessivamente
simbólico e de uma continuação da perpétua separação entre teoria e prática.
Anos 2000 até a atualidade: busca de novas alternativas
Embora fizesse tempo que os contextos iam mudando vertiginosamente, é nessa época, quando os contextos sociais que condicionam a formação refletem uma série de forças em conflito, que aparece a nova economia, que a tecnologia desembarca com grande força na cultura, que a mundialização se faz visível, que muitos daqueles professores e professoras combativos já têm certa idade, etc. Começa, então, a surgir uma crise da profissão de ensinar. Tem-se a percepção de que os sistemas anteriores não funcionam para educar a população deste novo século, de que as instalações escolares não são adequadas a uma nova forma de ver a educação. Cada vez mais tem importância a formação emocional das pessoas, a relação entre elas, as redes de intercâmbio, a comunidade como elemento importante para a educação. Tudo isso faz os professores reduzirem a sua assistência na formação "de toda a vida", arriscarem-se pouco, sua motivação para fazer coisas diferentes diminui e, principalmente, a inovação aparece como um risco que poucos querem correr (para que correr riscos, se ninguém valoriza ou reprime?). Além disso, as administrações educacionais não se atrevem a possibilitar novas alternativas de mudança, já que estas partirão de verbas diferentes e deixarão tudo para depois. Sentem medo e não ousam.
Anos 2000 até a atualidade: busca de novas alternativas
Embora fizesse tempo que os contextos iam mudando vertiginosamente, é nessa época, quando os contextos sociais que condicionam a formação refletem uma série de forças em conflito, que aparece a nova economia, que a tecnologia desembarca com grande força na cultura, que a mundialização se faz visível, que muitos daqueles professores e professoras combativos já têm certa idade, etc. Começa, então, a surgir uma crise da profissão de ensinar. Tem-se a percepção de que os sistemas anteriores não funcionam para educar a população deste novo século, de que as instalações escolares não são adequadas a uma nova forma de ver a educação. Cada vez mais tem importância a formação emocional das pessoas, a relação entre elas, as redes de intercâmbio, a comunidade como elemento importante para a educação. Tudo isso faz os professores reduzirem a sua assistência na formação "de toda a vida", arriscarem-se pouco, sua motivação para fazer coisas diferentes diminui e, principalmente, a inovação aparece como um risco que poucos querem correr (para que correr riscos, se ninguém valoriza ou reprime?). Além disso, as administrações educacionais não se atrevem a possibilitar novas alternativas de mudança, já que estas partirão de verbas diferentes e deixarão tudo para depois. Sentem medo e não ousam.
Nesse contexto, surge a crise institucional da formação. Como se
considera o sistema educacional do século passado obsoleto, sente-se a
necessidade de uma nova maneira de ver a educação, a formação e o papel dos
professores e dos alunos. Uma longa pausa é aberta, na qual estamos instalados,
onde alguns se sentem incômodos. Esse desconforto conduz à busca de novos horizontes,
de novas alternativas. Assim, antigas e novas vozes começam a superar sua
afonia para narrar o que sabem sobre o ensino e a formação. Ganha espaço a
opção de não se querer analisar a formação somente como o domínio das
disciplinas científicas ou acadêmicas, mas sim de propor a necessidade de
estabelecer novos modelos relacionais e participativos na prática da formação.
Isso nos leva a analisar o que aprendemos e o que nos falta aprender.
No entanto, é certo que nos últimos anos, especialmente naqueles países
governados por uma direita conservadora, que aplica um neoconservadorismo
profundo na educação, apareceu um "desânimo" ou talvez um desconserto
não apenas entre o grupo de professores, mas também entre todos que, de um modo
ou de outro, preocupam-se com a formação. Desânimo, desconserto ou consternação
difícil de expressar, fruto de um acúmulo de variáveis que convergem, entre as
quais podemos citar: o aumento de exigências com a consequente intensificação
do trabalho educacional; a manutenção de velhas verdades que não funcionam, a
desprofissionalização originada por uma falta de delimitação clara das funções
dos professores, a rápida mudança social e, possivelmente, um tipo de formação
continuada que parece inclinar-se de novo para um modelo aplicativo-transmissivo
(de volta ao passado ou de "volta ao básico", de lições-modelo, de
noções, de ortodoxia, de professor eficaz e bom, de competências que devem ser
assumidas para ser um bom professor, etc.).
Ou seja, a ação do formador se dá em direção da solução dos problemas
dos professores, em vez de se aprofundar em um modelo mais regulador e
reflexivo, como, por exemplo, com pesquisa-ação, heterodoxia, modelos variados,
respeito à capacidade do docente, didática criativa. Nesse caso, o formador ou
assessor é mais um diagnosticador de obstáculos à formação, em que a vertente
contextual, diversa e pessoal dos professores tem muito a dizer e a contribuir.
O que fazer na prática da formação?
Analisar o passado para não cair nos mesmos erros, levando em conta que o mundo nunca gira ao contrário. Temos de olhar adiante e criar alternativas de transformação. Ter presente que, sem a participação dos professores, qualquer processo de inovação pode converter-se em uma ficção ou em um jogo de espelhos que pode, inclusive, chegar a refletir processos imaginários, quando não simplesmente uma mera alteração técnica ou terminológica promovida a partir do topo.
O que fazer na prática da formação?
Analisar o passado para não cair nos mesmos erros, levando em conta que o mundo nunca gira ao contrário. Temos de olhar adiante e criar alternativas de transformação. Ter presente que, sem a participação dos professores, qualquer processo de inovação pode converter-se em uma ficção ou em um jogo de espelhos que pode, inclusive, chegar a refletir processos imaginários, quando não simplesmente uma mera alteração técnica ou terminológica promovida a partir do topo.
Isso é exatamente o que acontece em muitos países. No topo, desde as
superestruturas, são geradas mudanças prescritivas que não originam inovações
nas instituições dos "práticos" da educação. Na formação, deve-se
trabalhar com os professores e não sobre eles. Recuperar leituras e práticas
formadoras e analisar se elas não foram sendo modificadas com o tempo em sua aplicação,
ou se ainda são úteis para a mudança da formação.
NOTAS
1. Poderíamos dizer que a situação atual é similar à dos anos de 1980 com a questão do ensino e do currículo, mas existem matizes, já que as origens e a situação atual são diferentes.
2. Quero lembrar aqui o poeta Bertold Brecht, ao qual se atribui o conceito.
3. Hargreaves (1998) dirá que a pós-modernidade pode provocar crises nas relações interpessoais quando estas carecem de sujeições externas, de tradição ou de obrigação.
4. Entendemos aqui por progressista o contrário de conservador. Progressista seria aquele indivíduo que considera os valores morais como uma criação cultural que deve ser estimulada ativamente, no sentido de liberar os seres humanos de seus condicionamentos naturais, a fim de melhorar a capacidade de convivência e modificar o estado atual das coisas, para também melhorar a situação das pessoas.
5. A palavra paraguas, ou "guarda-chuva", pode referir-se à pessoa ou coisa que serve de proteção. O sentido aqui é o mesmo empregado por Stenhouse (1987) quando descrevia o professor-pesquisador como aquele que questiona sua prática, compromete-se com o trabalho e a reflexão e usa estratégias de melhoria, junto com seus colegas, no trabalho educativo.
1. Poderíamos dizer que a situação atual é similar à dos anos de 1980 com a questão do ensino e do currículo, mas existem matizes, já que as origens e a situação atual são diferentes.
2. Quero lembrar aqui o poeta Bertold Brecht, ao qual se atribui o conceito.
3. Hargreaves (1998) dirá que a pós-modernidade pode provocar crises nas relações interpessoais quando estas carecem de sujeições externas, de tradição ou de obrigação.
4. Entendemos aqui por progressista o contrário de conservador. Progressista seria aquele indivíduo que considera os valores morais como uma criação cultural que deve ser estimulada ativamente, no sentido de liberar os seres humanos de seus condicionamentos naturais, a fim de melhorar a capacidade de convivência e modificar o estado atual das coisas, para também melhorar a situação das pessoas.
5. A palavra paraguas, ou "guarda-chuva", pode referir-se à pessoa ou coisa que serve de proteção. O sentido aqui é o mesmo empregado por Stenhouse (1987) quando descrevia o professor-pesquisador como aquele que questiona sua prática, compromete-se com o trabalho e a reflexão e usa estratégias de melhoria, junto com seus colegas, no trabalho educativo.
Este texto foi publicado originalmente
no livro Formação continuada de professores, de Francisco Imbernón (Artmed,
2010).
REFERÊNCIAS
·
HARGREAVES,
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