EDUCAÇÃO
Avaliação autêntica
Mabel
Condemarín & Alejandra Medina
A
revisão crítica dos procedimentos tradicionais de avaliação é uma das maiores
preocupações enfrentadas pelos atuais programas de melhoria da qualidade da
educação, visto que as técnicas de mensuração empregadas pelos sistemas
educacionais têm mais força para conduzi-los do que a filosofia que orienta
suas metas. Assim, dada a forte influência da avaliação sobre o currículo, é
provável que os esforços para melhorar a qualidade da educação sejam limitados
se não forem revisadas e reformuladas as práticas avaliativas tradicionais.
Essa necessidade de mudança é válida principalmente na área da linguagem oral e
escrita, na qual os progressos dos últimos 30 anos em sua teoria, pesquisa e
prática não se refletiram, em sua maior parte, em avanços nos procedimentos
utilizados para avaliar as competências dos alunos.
Em geral, os procedimentos tradicionais de
avaliação nessa área caracterizam-se pelo seguinte: o professor, depois de
ensinar uma parte do programa, aplica uma prova escrita com perguntas de
múltipla escolha ou exercícios aos quais se pode atribuir equitativamente um
número de pontos; ou então faz perguntas orais aos alunos. Em função desses
resultados, os alunos recebem notas que são registradas no diário de classe ou
em uma caderneta e que, eventualmente, são comunicadas a seus pais. Ao final do
trimestre, semestre ou ano, faz-se uma síntese, sob a forma de uma média, o que
contribui para as decisões finais relacionadas com a promoção ou a repetência.
Hoje, esse procedimento tradicional é alvo de
críticas pelas seguintes razões: não constitui uma instância destinada a
melhorar a qualidade das aprendizagens, pois seu objetivo é predominantemente
certificador e mede um momento terminal; reduz as aprendizagens a um conjunto
de saberes e habilidades isoladas e quantificáveis, em detrimento dos
conhecimentos e das competências de alto nível taxonômico exigido pelos atuais
programas de estudo; impede considerar os benefícios pedagógicos do erro; não
leva em conta as condições e o contexto no qual transcorre a aprendizagem; não
respeita a diversidade porque cria hierarquias de excelência que tendem a
distribuir os alunos em uma curva normal, sem informá-los sobre seus
conhecimentos e competências, e tem um caráter unidirecional, sendo o professor
o único responsável e usuário dos resultados da avaliação.
Como alternativa diante dessas críticas, e com o
objetivo de contribuir para a mudança da cultura avaliativa tradicional, este
livro1 expõe os princípios e procedimentos recomendados para a "avaliação
autêntica", aplicados à área da linguagem e da comunicação. Sob essa
denominação, integram-se os conceitos anglo-saxões de assessment, referente à
coleta e à síntese da informação acerca das aprendizagens dos estudantes, e o
de evaluation, referente à formulação de juízos emitidos com base nos dados que
foram reunidos.
A avaliação autêntica, ao contrário da avaliação
tradicional, cujo principal objetivo é certificar, tem como finalidade
prioritária melhorar o processo de ensino-aprendizagem que ocorre na interação
de um professor com seus alunos. Também tem como objetivo informar e orientar
os alunos e os pais sobre seus avanços, centrando-se fundamentalmente em suas
aptidões, interesses, capacidades e competências.
Com base nesses objetivos, a avaliação autêntica
conceitua a avaliação como parte integral e natural da aprendizagem; utiliza
múltiplos procedimentos e técnicas para avaliar as competências dos alunos em
sua totalidade e complexidade e privilegia como uma fonte crítica de informação
avaliativa as atividades e as interações cotidianas e significativas que se produzem
entre os alunos e seus professores na sala de aula, por estarem mais próximas
do ensino e da aprendizagem dos alunos que as provas escritas.
A avaliação autêntica também se baseia na
permanente integração de aprendizagem e avaliação por parte do próprio aluno e
de seus colegas, o que constitui um requisito indispensável do processo de
construção e comunicação do significado. De acordo com essa perspectiva, a
avaliação contribui para regular o processo de aprendizagem, ou seja, permite
compreendê-lo, retroalimentá-lo e melhorá-lo em suas diversas dimensões e,
consequentemente, oferece ao professor a oportunidade de visualizar e refletir
sobre o impacto que causam nos alunos suas práticas educativas.
A avaliação autêntica, ao propor-se como um
processo participativo e multidimensional, não descarta o uso dos testes
baseados em normas ou as provas elaboradas pelo educador, mas lhes dá novo
significado e situa-os em uma ampla gama de procedimentos e técnicas
específicas que ampliam o leque de possibilidades que permite ao professor
obter evidências válidas dos pontos fortes e fracos de seus alunos. A
recomendação de reunir em um portfólio ou em uma pasta as múltiplas evidências
dos desempenhos dos alunos, em resposta a situações reais que ocorrem dentro da
sala de aula, constitui um procedimento inerente ao movimento de avaliação
autêntica.
A partir dessas colocações, a avaliação autêntica
alinha-se com as perspectivas oferecidas pela pesquisa-ação, que supõe entender
o ensino como um processo contínuo, em espiral, de
ação-observação-reflexão-nova ação. Essa perspectiva considera que a interação
humana e a intervenção social, presentes em toda prática educativa, não podem
ser tratadas como processos mecânicos, mas como processos de busca permanente e
de construção coletiva.
Bases
teóricas que fundamentam a avaliação autêntica
A perspectiva da avaliação autêntica na área da linguagem e da comunicação fundamenta-se nas seguintes bases teóricas:
Teoria do esquema. Esta teoria afirma que os
conhecimentos estão organizados em esquemas cognitivos e que uma aprendizagem
ocorre quando a nova informação é assimilada em um esquema cognitivo prévio. Os
defensores dessa teoria (Ausubel, 1968; Rumelhart, 1980) reabilitaram o termo
esquema, utilizado no passado por Dewey (1953), Bartlett (1932) e Piaget, para
aplicá-lo à organização estruturante que o leitor exerce sobre o texto enquanto
interage com ele.
Desse ponto de vista, quanto mais experiências têm
os alunos com um tema particular, mais fácil é para eles estabelecer relações
entre o que já sabem e o que estão aprendendo, formular hipóteses e fazer
previsões sobre o significado dos textos. Dessa perspectiva, os educadores
estimulam os alunos a construir uma base experimental de conhecimentos e a
estabelecer relações entre seus conhecimentos prévios e o que está sendo
aprendido. Tal teoria evidencia-se nas estratégias recomendadas para a
avaliação da construção do significado dos textos por parte dos alunos.
Perspectiva ecológica ou sociocognitiva. Outro
fundamento teórico que sustenta o movimento da avaliação autêntica é dado pela
perspectiva chamada de "ecológica" ou "sociocognitiva"
(Chauveau, 1992). Essa perspectiva afirma que a concepção tradicional da
avaliação não costuma levar em conta o contexto na qual ocorre a aprendizagem
específica que se pretende mensurar e postula que é necessário estabelecer
relações entre a aprendizagem, os processos sociais e os processos cognitivos.
Assim, quando se fala de aprendizagem, estariam sendo postos dois problemas: um
referente aos aspectos cognitivos colocados em jogo diante da tarefa e outro
referente ao espaço ou contexto no qual ocorre a aprendizagem. Vista desse
modo, a avaliação deveria detectar as práticas culturais e recursos
provenientes do meio extraescolar do aluno a fim de estabelecer estratégias de
aprendizagem e avaliação que se apoiem neles.
Tal perspectiva é complementada com a formulação do
"enfoque etnográfico", que parte da premissa de que existem certos
fenômenos do comportamento humano que não podem ser conhecidos somente por meio
de métodos quantitativos, mas que é necessário observar a interação social
entre os atores do processo ocorrida em situações naturais (Rockwell, 1980).
Essa observação permite compreender o problema da criança em uma globalidade
que lhe dá sentido. Ao contrário, quando a globalidade é dividida em partes,
perde-se a possibilidade de percebê-la em sua complexidade.
Construtivismo. Nesta perspectiva, a aprendizagem é
um processo construtivo no qual o aluno elabora uma representação interna do
conhecimento ao incorporá-lo aos seus conhecimentos prévios. Tal representação
está constantemente aberta à mudança, na medida em que se constrói a partir da
experiência (Bednar et al, 1993).
Essa perspectiva afirma que os alunos dão sentido
ao mundo quando estabelecem relações e coordenações entre o que estão
aprendendo e o que sabem e sobre o que adquiriram experiência. Eles constroem
significados baseados nessas relações quando os professores focalizam o ensino
em marcos de referência amplos, quando propõem a seus alunos problemas
significativos, estimulando-nos a indagar e a descobrir, estruturam atividades
de aprendizagem em torno de conceitos primários, valorizam os pontos de vista e
os conhecimentos dos alunos e compartilham com eles os processos avaliativos
(Brooks e Brooks, 1993).
Prática pedagógica reflexiva. Os professores
aprendem a ensinar e a melhorar seu ensino quando realizam permanentemente
"um diálogo inteligente com a prática", ou seja, quando são capazes
de tomar distância dela e refletir para compreendê-la e melhorá-la (Schön,
1998).
A avaliação autêntica incorpora esses pontos de
vista e teorias porque requer que os alunos demonstrem a construção de
significados por meio de desempenhos, ou seja, de ações nas quais aplicam suas
aprendizagens; porque é participativa, necessitando da intervenção e do apoio
dos outros; porque visualiza os alunos como leitores e escritores ativos com
fins comunicativos; porque demonstra o progresso dos alunos ao longo do tempo,
valorizando o aumento do conhecimento e sua aplicação. Por último, a avaliação
autêntica revela essa incorporação porque requer que os alunos se autoavaliem,
promovendo sua reflexão acerca da própria prática.
NOTA
1 Este artigo foi escrito a partir de trechos do livro Avaliação autêntica, de Mabel Condemarín e Alejandra Medina (Artmed, 2005).
1 Este artigo foi escrito a partir de trechos do livro Avaliação autêntica, de Mabel Condemarín e Alejandra Medina (Artmed, 2005).
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Mabel
Condemarín e Alejandra Medina são professoras da Pontifícia Universidade
Católica do Chile.
REFERÊNCIAS
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AUSUBEL, D.P. Psicología educativa: un punto de
vista cognoscitivo. México: Trillas, 1968.
BARTLETT,
F.C. Remembering. Cambridge, UK: University Press, 1932.
BEDNAR, A.K.;
CUNNINGHAM, D.; DUFFY, T.M.; PERRY, J.D. Theory in practice: how do we link?
In: ANGLIN, G. (eds.). Instructional technology: past, present, and future.
Denver, CO: Libreries Unlimited, 1993
BROOKS, J.G.;
BROOKS, M.G. In search of understanding: the case for contructivist classroom.
Alexandria, VV: Association for Supervision and Curriculum Development, 1993.
CHAUVEAU, G.
Comunicação pessoal, Santiago, Chile, 1992.
DEWEY, J.
Democracia y educación. Buenos Aires: Editorial Losada, 1953.
ROCKWELL, E. La relación entre
etnografía y teoría en la investigación educativa. CIEA-IPN, Departamento de Investigación Educativa, 1980.
RUMELHART,
D.E. Schemata: the building blocks of cognition. In: SPIRO et al. (eds.).
Theoretical issues in reading comprehension. Hillsdale, N J: Laurence Erlbaum,
1980.
SCHÖN, D. El profesional reflexivo.
Barcelona: Paidós, 1998.
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