Família e escola: novos papéis e novas responsabilidades para uma nova disciplina
A família contemporânea passa por uma profunda crise. Já não mais dá conta das responsabilidades que lhe são atribuídas pela sociedade. Os conflitos que se apresentam na atualidade, principalmente os do mercado de trabalho, como a escassez de emprego, diminuição do poder de compra do salário e a inserção da mulher neste mercado, levam, necessariamente, a uma revisão na sua forma de educar e de se estruturar.Com essa nova contextualização, surge uma desestruturação na constituição dos laços e valores afetivos entre pais e filhos que, indubitavelmente, interferem na educação da criança e do adolescente, na sua inclusão na vida social e na convivência sócio-escolar.
Há uma intensa cobrança sobre a família no que diz respeito aos valores éticos e morais que devem ser desenvolvidos na criança. Como a ética e a moral não se constroem sem afeto e este, devido à crise sociofamiliar, encontra-se em desequilíbrio, distanciando o adulto de suas responsabilidades afetivo-construtoras relacionais para com a criança, as famílias ou transferem para outros a responsabilidade da educação, como avós, tios, parentes, creches e escolas, ou recorrem a uma culpabilidade destrutiva e maculadora da relação afetiva entre elas e a criança.
Desta forma, com a desestruturação dos elementos psico-socioafetivos, a criança não consegue reconhecer a sua capacidade de assimilação dos valores constitutivos da disciplina, visto ser esta construída na vida afetiva e coletiva, frustrando todos, criança, família, escola e sociedade, tornado-os vítimas de uma problemática enraizada mais na dinâmica econômicosocial, na luta constante por melhoria de vida e menos na capacidade individual e familiar de se educar para o amor, para o convívio social e para a cidadania.
A criança, por não responder às expectativas da família e de seu grupo social e por não ter conseguido compartilhar a experiência de reconhecimento das regras norteadoras da convivência sociocultural, também não consegue assimilar a disciplina como processo de inclusão e integração social, passando a construir sua compreensão de mundo por si própria.
Entendemos que a disciplina se constrói no coletivo, na troca das experiências e na busca de elementos positivos da convivência, mas a criança, sem este aparato, individualiza-se, isola-se e, como não apreendeu os valores sóciointegrativos, experimenta de forma conflitiva e desintegrada o seu relacionamento com os grupos em que está inserida, o que a faz estar em constante atrito com as normas e regras que regem o seu convívio coletivo, a que denominamos de “indisciplina”, não reconhecendo os fatores elementares de convivência social.
Se a família enfrenta situações extremamente instáveis quanto ao seu papel social, com a escola não é diferente, pois em função dessas profundas mudanças e indefinições da estrutura sóciofamiliar, acaba a escola se envolvendo em papéis, que, até bem pouco tempo, não lhe eram atribuídos. Hoje parte das responsabilidades formativas da criança deixou de ser exclusivamente da família. À escola foi incorporado o papel de colaboradora no processo educativo intelectual e afetivo da criança.
A família, por não mais se encontrar em condições de assumir integralmente seu atributo formativo, pouco a pouco, vai transferindo e partilhando com outros, particularmente com a escola, seu principal papel que é educar para a vida. Nessa situação, a escola adentra um processo complexo e confuso, pois o seu papel epistemológico fica fragilizado enquanto o psicoafetivo se potencializa.
A família, diante da volatilidade da modernidade (pós-modernidade), não tem encontrado um referencial estrutural satisfatório e a escola não tem incorporado a possibilidade de ampliação daquilo que lhe é imanente: educar e formar (ainda que se tenha que redimensionar estes atributos). Diante destas instabilidades, a criança e o adolescente reagem agressivamente e indisciplinadamente, não só porque lhes são próprios, mas também por não encontrarem referenciais estáveis e estruturados, passando a ter um comportamento que reflete aquilo que encontram hodiernamente.
Entendemos que, com todas essas mudanças e novas conjunturas, a escola deve incluir os pais em seus projetos pedagógicos, fundamentalmente no que se refere à formação para a cidadania. Os professores, coordenadores e outros profissionais da educação devem estar preparados para, além de educar para a ciência e para a cidadania, educar também nos aspectos elementares do afeto e das relações interpessoais. Porém, diante desta nova condição da escola, à família cabe a responsabilidade de, aceitando seu limite formativo, buscar na escola possibilidades do seu crescimento, de seus filhos e da sociedade. Há de haver uma maior integração entre escola e família. É necessário também que no epistemológico se inclua a discussão de questões sobre a estruturação familiar e seus novos modelos e que, para a família, a escola seja um local real de crescimento, não só do saber formal, mas do conhecimento e crescimento humanos.
A família e a escola incorporam o inconsciente cultural da sociedade contemporânea. A construção do saber, desde os primeiros movimentos da criança até a sua entrada no mundo do trabalho, passa pela família e logo em seguida pela escola. Não se pode pensar uma formação integral se ambas não estiverem em real conexão, recorrendo-se sempre ao diálogo de seus conflitos e à constante discussão de seus papeis e seus compromissos. Uma sociedade justa somente se constrói quando as responsabilidades são partilhadas e os diálogos constantemente restabelecidos.
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