Educação
É preciso continuar avançando
Entrevista com ANDREAS SCHLEICHER
Os
estudantes brasileiros têm obtido baixas avaliações desde que o país ingressou
no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). No entanto, para o
coordenador do programa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), Andreas Schleicher, o Brasil já obteve um progresso
significativo e existem poucos países tão bem-sucedidos na melhoria do acesso,
da qualidade e da equidade na educação. Ainda restam, porém, muitos outros
avanços a realizar.
Consultor especial da OCDE na área de políticas educacionais, Andreas Schleicher tem formação em física e matemática. Também é responsável pelo desenvolvimento e pela análise de referenciais no desempenho de sistemas educacionais e do impacto tanto do conhecimento quanto das habilidades no desempenho socioeconômico. Além do PISA, ele coordena o Programa Internacional para a Análise das Competências dos Adultos (PIAAC) e o Programa de Indicadores dos Sistemas Educacionais Nacionais (INES).
Na entrevista a seguir, realizada por e-mail, Schleicher analisa o desempenho do Brasil no cenário internacional, especialmente na área de ciências.
Consultor especial da OCDE na área de políticas educacionais, Andreas Schleicher tem formação em física e matemática. Também é responsável pelo desenvolvimento e pela análise de referenciais no desempenho de sistemas educacionais e do impacto tanto do conhecimento quanto das habilidades no desempenho socioeconômico. Além do PISA, ele coordena o Programa Internacional para a Análise das Competências dos Adultos (PIAAC) e o Programa de Indicadores dos Sistemas Educacionais Nacionais (INES).
Na entrevista a seguir, realizada por e-mail, Schleicher analisa o desempenho do Brasil no cenário internacional, especialmente na área de ciências.
O ingresso do Brasil no PISA, em 2000, tem demonstrado
que o país apresenta um dos piores desempenhos na avaliação sobre a qualidade
de ensino do bloco dos países participantes. Em sua opinião, o que temos a
aprender com isso?
De fato, o Brasil ainda apresenta um baixo desempenho pelos padrões do PISA, mas um progresso muito significativo já foi obtido. Na verdade, poucos países ao redor do mundo têm sido tão bem-sucedidos quanto o Brasil na melhoria do acesso, da qualidade e da equidade na educação. Portanto, o copo parece estar mais “meio cheio” do que “meio vazio”.
De fato, o Brasil ainda apresenta um baixo desempenho pelos padrões do PISA, mas um progresso muito significativo já foi obtido. Na verdade, poucos países ao redor do mundo têm sido tão bem-sucedidos quanto o Brasil na melhoria do acesso, da qualidade e da equidade na educação. Portanto, o copo parece estar mais “meio cheio” do que “meio vazio”.
O PISA mostra que os alunos brasileiros não conseguem aplicar
na vida real os conhecimentos adquiridos na escola. O que é necessário ao
sistema educacional do Brasil para capacitar seus estudantes a serem aprendizes
ao longo da vida?
O PISA sugere que este seja um dos desafios mais significativos para a educação no Brasil. Se ensinarmos a nossas crianças o que saber, elas poderão lembrar-se o suficiente para seguir nossos passos. Se você as ensina a aprender, elas poderão ir a qualquer lugar, e é isso que conta no mundo de hoje. O sucesso educacional não significa mais reproduzir o conteúdo do conhecimento, e sim extrapolar a partir do que sabemos e aplicar tal conhecimento a novas situações. Por exemplo, em matemática, o desafio é garantir que ela não continue sendo um universo de equações e teoremas para os alunos, mas uma linguagem que lhes permita descrever, estruturar e compreender o mundo.
Como isso se relaciona ao modo como a matemática é ensinada no Brasil?
No Brasil, a matemática muitas vezes ainda é ensinada em um mundo matemático abstrato, de maneira desvinculada de contextos autênticos — por exemplo, são ensinadas aos alunos técnicas da aritmética e depois eles recebem vários cálculos aritméticos para resolver; ou então se mostra a eles como resolver determinados tipos de equações e depois lhes são dadas muitas equações semelhantes para resolver. Mas será que os alunos compreendem os conceitos fundamentais da matemática? São capazes de traduzir uma nova situação ou problema que enfrentam para uma forma que exponha a relevância da matemática? São capazes de tornar esses problemas passíveis de uma abordagem matemática, identificando e usando o conhecimento matemático pertinente para resolver o problema? São capazes de avaliar a solução no contexto original do problema?
O que deveria ser diferente na maneira de ensinar?
A educação de hoje precisa ter muito mais relação com modos de pensar, envolvendo criatividade, pensamento crítico, resolução de problemas e tomada de decisões; com modos de trabalhar, incluindo comunicação e colaboração; com ferramentas para trabalhar, incluindo a capacidade de reconhecer e explorar o potencial de novas tecnologias; e, por fim, com a capacidade de viver em um mundo multifacetado, como cidadãos ativos e responsáveis.
No Brasil, ainda estamos vivendo mais no discurso sobre a importância da educação do que em mudanças reais. Quais avanços são necessários para realmente valorizar a educação na vida dos cidadãos?
Muitas nações declaram que estão comprometidas com os jovens e que a educação é importante, mas a prova chega quando tais comprometimentos são pesados em relação a outros. Como elas pagam os professores em comparação a seu modo de pagar outros profissionais com o mesmo nível de instrução? Como credenciais de educação são pesadas em relação a outras qualificações quando as pessoas estão sendo consideradas para um emprego? Você desejaria que seu filho fosse professor? Quanta atenção a mídia dedica às escolas e à escolarização? Quando chega a hora decisiva, o que mais importa, a posição da comunidade na liga esportiva ou sua posição nas tabelas de classificação acadêmica estudantil? Os pais são mais propensos a encorajar seus filhos a estudar por mais tempo e com mais afinco ou a querer que eles passem mais tempo com seus amigos ou praticando esportes? É a escola ou o shopping center o prédio mais prestigiado em seu bairro? O valor dado à educação tende a influenciar as escolhas que os alunos fazem entre estudar ou ir para a quadra de esportes ou ficar com os amigos na esquina e, posteriormente, para os alunos mais capacitados, decidir-se pelo magistério ou optar por algo com maior status social como profissão. Ele tem um efeito sobre a disposição do público de estimar as opiniões dos educadores profissionais ou desprezá-las.
Para solucionar esse problema, sempre surgem no Brasil propostas padronizadas, sejam elas criadas pelos sistemas educacionais, por empresas ou pelo terceiro setor. O senhor considera que isso pode ser uma boa alternativa? Como tem acontecido nos países mais bem-sucedidos no PISA?
Soluções padronizadas não substituem a qualidade de um sistema educacional nem podem superar a qualidade de seus professores e diretores. Corporações, sociedades profissionais, forças armadas e governos federais sabem que precisam prestar atenção a como se forma o contingente: de onde recrutam, como recrutam e como selecionam seu pessoal; o tipo de treinamento inicial que seus recrutados recebem antes de se apresentar para o emprego; como orientam novos candidatos e os induzem a se apresentar ao serviço; que tipo de treinamento contínuo recebem; como sua remuneração é estruturada; como recompensam aqueles com melhor desempenho e como melhoram o desempenho dos que estão tendo dificuldades ou livram-se deles; como oferecem aos que têm melhor desempenho oportunidades de adquirir maior status e responsabilidade.
O que a escola tem feito e o que precisaria fazer para introduzir os alunos no pensamento científico?
Um conhecimento científico sólido é evidentemente importante. Contudo, se as escolas não vão além, a ciência torna-se muito rapidamente mais uma matéria escolar chata. O fundamental é fortalecer o envolvimento dos estudantes com a ciência e ajudá-los a ver as oportunidades de vida que a ciência pode abrir para o seu futuro. Em termos de políticas e práticas instrucionais, é essencial desenvolver a capacidade dos estudantes de identificar questões científicas, explicar fenômenos científicos e extrair conclusões baseadas em evidências sobre questões relacionadas à ciência. Eles também precisam compreender as características da ciência como forma de conhecimento e investigação humana e estar conscientes de como a ciência e a tecnologia moldam nossos diversos meios — materiais, intelectuais e culturais.
A partir de que idade a escola deve estimular os alunos a pesquisar?
Desde que nascemos, somos todos pesquisadores, continuamente tentando expandir nosso horizonte. Se as escolas proporcionarem oportunidades para um aprendizado de base investigativa e garantirem que grande parte da atividade no aprendizado científico depende dos alunos e não apenas do professor, poderemos realizar muitas coisas.
Como o senhor analisa o papel das feiras de ciências, tão disseminadas nas escolas?
Nossa avaliação da ciência no PISA em 2006 demonstrou que as feiras de ciências, competições e outros modos de levar a ciência real às escolas e salas de aula podem ter um impacto significativo no desempenho em ciências, bem como no envolvimento dos alunos com essa área.
O senhor acredita que colocar as crianças em escolas de padrões diferenciados em termos de qualidade ajuda a alavancar o sistema educacional de um país?
Não acredito nisso. A estratificação geralmente tende a reforçar as disparidades sociais sem acarretar melhorias no desempenho global.
Como é o investimento em educação dos países da OCDE? Em termos comparativos com o Brasil, quais são as principais diferenças?
Os gastos com educação no Brasil ainda estão bem abaixo da média da OCDE, mas aumentaram significativamente durante os últimos anos. Portanto, o Brasil está no caminho certo.
"O valor dado à educação tende a influenciar as escolhas que os alunos fazem entre estudar ou ir para a quadra de esportes."
O PISA sugere que este seja um dos desafios mais significativos para a educação no Brasil. Se ensinarmos a nossas crianças o que saber, elas poderão lembrar-se o suficiente para seguir nossos passos. Se você as ensina a aprender, elas poderão ir a qualquer lugar, e é isso que conta no mundo de hoje. O sucesso educacional não significa mais reproduzir o conteúdo do conhecimento, e sim extrapolar a partir do que sabemos e aplicar tal conhecimento a novas situações. Por exemplo, em matemática, o desafio é garantir que ela não continue sendo um universo de equações e teoremas para os alunos, mas uma linguagem que lhes permita descrever, estruturar e compreender o mundo.
Como isso se relaciona ao modo como a matemática é ensinada no Brasil?
No Brasil, a matemática muitas vezes ainda é ensinada em um mundo matemático abstrato, de maneira desvinculada de contextos autênticos — por exemplo, são ensinadas aos alunos técnicas da aritmética e depois eles recebem vários cálculos aritméticos para resolver; ou então se mostra a eles como resolver determinados tipos de equações e depois lhes são dadas muitas equações semelhantes para resolver. Mas será que os alunos compreendem os conceitos fundamentais da matemática? São capazes de traduzir uma nova situação ou problema que enfrentam para uma forma que exponha a relevância da matemática? São capazes de tornar esses problemas passíveis de uma abordagem matemática, identificando e usando o conhecimento matemático pertinente para resolver o problema? São capazes de avaliar a solução no contexto original do problema?
O que deveria ser diferente na maneira de ensinar?
A educação de hoje precisa ter muito mais relação com modos de pensar, envolvendo criatividade, pensamento crítico, resolução de problemas e tomada de decisões; com modos de trabalhar, incluindo comunicação e colaboração; com ferramentas para trabalhar, incluindo a capacidade de reconhecer e explorar o potencial de novas tecnologias; e, por fim, com a capacidade de viver em um mundo multifacetado, como cidadãos ativos e responsáveis.
No Brasil, ainda estamos vivendo mais no discurso sobre a importância da educação do que em mudanças reais. Quais avanços são necessários para realmente valorizar a educação na vida dos cidadãos?
Muitas nações declaram que estão comprometidas com os jovens e que a educação é importante, mas a prova chega quando tais comprometimentos são pesados em relação a outros. Como elas pagam os professores em comparação a seu modo de pagar outros profissionais com o mesmo nível de instrução? Como credenciais de educação são pesadas em relação a outras qualificações quando as pessoas estão sendo consideradas para um emprego? Você desejaria que seu filho fosse professor? Quanta atenção a mídia dedica às escolas e à escolarização? Quando chega a hora decisiva, o que mais importa, a posição da comunidade na liga esportiva ou sua posição nas tabelas de classificação acadêmica estudantil? Os pais são mais propensos a encorajar seus filhos a estudar por mais tempo e com mais afinco ou a querer que eles passem mais tempo com seus amigos ou praticando esportes? É a escola ou o shopping center o prédio mais prestigiado em seu bairro? O valor dado à educação tende a influenciar as escolhas que os alunos fazem entre estudar ou ir para a quadra de esportes ou ficar com os amigos na esquina e, posteriormente, para os alunos mais capacitados, decidir-se pelo magistério ou optar por algo com maior status social como profissão. Ele tem um efeito sobre a disposição do público de estimar as opiniões dos educadores profissionais ou desprezá-las.
Para solucionar esse problema, sempre surgem no Brasil propostas padronizadas, sejam elas criadas pelos sistemas educacionais, por empresas ou pelo terceiro setor. O senhor considera que isso pode ser uma boa alternativa? Como tem acontecido nos países mais bem-sucedidos no PISA?
Soluções padronizadas não substituem a qualidade de um sistema educacional nem podem superar a qualidade de seus professores e diretores. Corporações, sociedades profissionais, forças armadas e governos federais sabem que precisam prestar atenção a como se forma o contingente: de onde recrutam, como recrutam e como selecionam seu pessoal; o tipo de treinamento inicial que seus recrutados recebem antes de se apresentar para o emprego; como orientam novos candidatos e os induzem a se apresentar ao serviço; que tipo de treinamento contínuo recebem; como sua remuneração é estruturada; como recompensam aqueles com melhor desempenho e como melhoram o desempenho dos que estão tendo dificuldades ou livram-se deles; como oferecem aos que têm melhor desempenho oportunidades de adquirir maior status e responsabilidade.
O que a escola tem feito e o que precisaria fazer para introduzir os alunos no pensamento científico?
Um conhecimento científico sólido é evidentemente importante. Contudo, se as escolas não vão além, a ciência torna-se muito rapidamente mais uma matéria escolar chata. O fundamental é fortalecer o envolvimento dos estudantes com a ciência e ajudá-los a ver as oportunidades de vida que a ciência pode abrir para o seu futuro. Em termos de políticas e práticas instrucionais, é essencial desenvolver a capacidade dos estudantes de identificar questões científicas, explicar fenômenos científicos e extrair conclusões baseadas em evidências sobre questões relacionadas à ciência. Eles também precisam compreender as características da ciência como forma de conhecimento e investigação humana e estar conscientes de como a ciência e a tecnologia moldam nossos diversos meios — materiais, intelectuais e culturais.
A partir de que idade a escola deve estimular os alunos a pesquisar?
Desde que nascemos, somos todos pesquisadores, continuamente tentando expandir nosso horizonte. Se as escolas proporcionarem oportunidades para um aprendizado de base investigativa e garantirem que grande parte da atividade no aprendizado científico depende dos alunos e não apenas do professor, poderemos realizar muitas coisas.
Como o senhor analisa o papel das feiras de ciências, tão disseminadas nas escolas?
Nossa avaliação da ciência no PISA em 2006 demonstrou que as feiras de ciências, competições e outros modos de levar a ciência real às escolas e salas de aula podem ter um impacto significativo no desempenho em ciências, bem como no envolvimento dos alunos com essa área.
O senhor acredita que colocar as crianças em escolas de padrões diferenciados em termos de qualidade ajuda a alavancar o sistema educacional de um país?
Não acredito nisso. A estratificação geralmente tende a reforçar as disparidades sociais sem acarretar melhorias no desempenho global.
Como é o investimento em educação dos países da OCDE? Em termos comparativos com o Brasil, quais são as principais diferenças?
Os gastos com educação no Brasil ainda estão bem abaixo da média da OCDE, mas aumentaram significativamente durante os últimos anos. Portanto, o Brasil está no caminho certo.
"O valor dado à educação tende a influenciar as escolhas que os alunos fazem entre estudar ou ir para a quadra de esportes."
"Desde que nascemos, somos todos pesquisadores, continuamente tentando expandir nossos horizontes."
Créditos da imagem:
Foto: divulgação
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