Educação
Empreendedores para a vida toda
Atentas aos
benefícios para a formação dos estudantes, as escolas estão cada vez mais
abrindo espaço para o empreendedorismo em seus currículos.
Pequenas lições de empreendedorismo que começam na
escola podem chegar a lugares distantes e transformar vidas. Foi assim que
aconteceu com a jovem Maria Vitória Flores dos Santos, de 16 anos, moradora da
comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, que viu seus desenhos ganharem fama
na cidade, descobriu uma nova profissão e, quem sabe, caminha para ser uma das
maiores estilistas do Brasil futuramente.
Aluna do 2º ano do ensino médio do
Colégio Pedro II, ela ingressou em 2008 no Programa Despertando Talentos, do
Instituto Rogério Steinberg (IRS), organização que atua no desenvolvimento de
crianças e jovens socialmente vulneráveis na cidade do Rio de Janeiro. Foi
considerada a melhor aluna da Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa por dois
anos, venceu um concurso de desenho do shopping Rio Design Leblon e, devido aos
seus traços criativos, ganhou uma bolsa de estudos no curso de modelagem do
Senac-Rio sem nunca ter recebido nenhuma instrução técnica.
Hoje, Maria Vitória segue no IRS,
onde frequenta a Oficina de Criação do Programa Desenvolvendo Talentos,
participa de um intercâmbio na agência de modas Conceitual para conhecer o
trabalho de figurinista e também foi contratada para fazer ilustrações de moda
em um blog. Mas o seu emprego oficial mesmo é outro: guia turística na Rocinha,
trabalho conquistado principalmente depois de perceber uma oportunidade e ter
iniciativa, duas lições adquiridas na sala de aula. “Do ano passado para cá,
fiz muitas conquistas depois que aprendi a me comunicar melhor e a desenvolver
a minha criatividade. Tive de perder a vergonha e provar para o dono da agência
de turismo que eu tinha capacidade. Quando você se conhece, fica mais fácil se
expor para os outros”, afirma.
O empreendedorismo popularizou-se no
Brasil a partir da década de 1990 e, desde então, vem tendo uma participação
crescente na economia do país. Segundo um estudo mensal que o Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) promove, com base em
dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), os pequenos negócios responderam por 71% dos empregos
criados no país em abril. Outro dado impressionante indica que o número de
empreendedores cresceu 44% nos últimos 10 anos no país. Não por acaso: uma
pesquisa realizada pela Endeavor, organização internacional que atua na área,
revela que, a cada quatro brasileiros, três desejam ser os próprios chefes.
E a educação tem influência direta
nisso. A relação entre o aumento do índice de escolaridade e a taxa de
sobrevivência das empresas foi comprovada recentemente. Um levantamento do
Sebrae, baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), mostrou que, na última década, assim como o percentual de
estabelecimentos que sobreviveu até o segundo ano de atividade saltou de 51%
para 73%, o retrato da formação dos proprietários também mudou. Em 2001, 62%
dos donos tinham somente até o ensino fundamental e apenas 38% haviam atingido
o ensino médio ou mais. Já em 2011, o número de empresários com ensino médio ou
mais cresceu para 53%, em contrapartida à redução para 47% daqueles que
interromperam os estudos durante o ensino fundamental. “A educação está
intimamente ligada à qualidade do empreendedorismo em todos os países. Ao
desenvolver competências empreendedoras, as pessoas ampliam sua visão, planejam
melhor e aumentam as chances de sobrevivência e crescimento do negócio
próprio”, aponta o presidente do Sebrae, Luiz Barretto.
Espaço no currículo
Engana-se quem pensa que
empreendedorismo tem a ver apenas com pessoas que já tenham experiência
profissional ou que desejem tornar-se empresárias. O conceito de
empreendedorismo, primeiramente, relaciona-se com a iniciativa e com a
capacidade de inovar, favorecendo o desenvolvimento pessoal. Atentas a todos os
benefícios que podem contribuir para a formação dos estudantes, as escolas
estão cada vez mais abrindo espaço para o conteúdo em seus currículos.
Conforme Wilma Resende Araújo Santos,
diretora superintendente da Junior Achievement — uma das mais antigas
organizações de educação prática em negócios, economia e empreendedorismo do
mundo, presente em 120 países —, mais de duas mil escolas são parceiras da
entidade em todos os 27 estados e a procura tem aumentado gradativamente. “No
Brasil, três milhões de alunos já foram beneficiados, havendo 115 mil
voluntários envolvidos”, aponta.
Marcelo Feres, diretor de Integração
das Redes de Educação Profissional e Tecnológica da Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica (Setec) do Ministério da Educação (MEC), destaca que
as diversas redes de educação profissional já vêm incluindo a temática do
empreendedorismo em suas grades. “No âmbito do Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), isso está sendo realizado para garantir
que esse tema seja abordado”.
Sócia e criadora da Escola de
Empreendedorismo Zeltzer, Carla Zeltzer reitera que a valorização do tópico tem
acontecido de maneira gradativa. Segundo ela, alguns estados e municípios já
contam com legislações específicas que indicam a inclusão do assunto na prática
educacional, mas não necessariamente como disciplina. “Muitas escolas trabalham
o empreendedorismo de forma transversal, realizando projetos pontuais ou
atividades extracurriculares”, observa.
Benefícios desde cedo
A gerente de Capacitação Empresarial
do Sebrae, Mirela Malvestiti, ressalta a importância das primeiras lições na
fase escolar. Em sua opinião, a sociedade contemporânea exige pessoas
empreendedoras, autônomas, que tenham competências múltiplas, saibam trabalhar
em equipe, tenham capacidade de aprender com situações novas e complexas,
enfrentem novos desafios e promovam transformações. “Estudar empreendedorismo
estimula competências que ajudam os futuros profissionais a desenvolver essas
características”.
Na opinião de Wilma Araújo Santos, o
Brasil é um país com potencial para gerar um grande número de empreendedores,
por isso é importante preparar os jovens, desde cedo, para o mundo dos
negócios. “Imaginem se os estudantes pudessem ter, além das aulas de
matemática, ciências e português, acesso a conhecimentos sobre o funcionamento
de um processo produtivo, livre iniciativa e comercialização. Isso seria
despertar o espírito empreendedor desde jovem”.
A atitude empreendedora, conforme
destaca Carla Zeltzer, é a base da realização de projetos empreendedores e,
quanto mais cedo for desenvolvida, melhor é incorporada à vida de crianças e
jovens. “Quanto antes os jovens tiverem a oportunidade de vivenciar experiências
que aumentem seu portfólio de ações empreendedoras, mais preparados estarão
para atuar de forma empreendedora na vida, como jovens e adultos, em projetos
de suas comunidades, em seus empregos ou em suas próprias empresas”.
Segundo Fernanda de Amorim Oliveira,
analista de Educação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) do
Rio de Janeiro, essas habilidades, quando estimuladas entre as crianças desde
cedo, aumentam a capacidade de criar soluções, lidar com problemas e ainda incentivam
a criatividade dos pequenos. “Na idade escolar, a atitude empreendedora ajuda
em atividades do dia a dia, como a organização dos estudos e a realização de
atividades em grupo”, salienta.
Em paralelo com as vantagens para os
alunos, a economia também se beneficia com os profissionais egressos de
instituições onde a disciplina é oferecida. Mirela Malvestiti salienta que o
mercado recebe profissionais mais preparados tanto para empreender quanto para
desenvolver carreira em uma instituição. “São formados profissionais que sabem
planejar, buscar informações e estabelecer metas. Além disso, são persistentes,
proativos, independentes e autoconfiantes”, enumera. Somados a esses fatores,
ela ainda acrescenta que estudantes empreendedores estarão mais aptos para
identificar e aproveitar as oportunidades de um mundo em transformação. “Em vez
de disputarem empregos, criarão inovações, novas soluções para os problemas
existentes, gerando riqueza e novos postos de trabalho”.
No entanto, para que o
empreendedorismo continue sendo fomentado nas instituições escolares, é preciso
superar desafios. Romper paradigmas é o primeiro deles. “A cultura
empreendedora não tem a ver com status quo, com estagnação, mas sim com
transformação”, avalia a gerente do Sebrae. Assim, para que seja estabelecida
uma cultura empreendedora, ela observa que é preciso haver docentes
empreendedores que sonhem e que estimulem esse sonhar em seus alunos. “Tal
processo requer dedicação, vontade de fazer diferente, de buscar desenvolver
autonomia em si e nos estudantes. Os professores são protagonistas dessa
transformação”.
Cultura empreendedora
A educação empreendedora tem sido um
dos principais focos de atuação do Sebrae. O mais recente programa oferecido
pela instituição chama-se Pronatec Empreendedor e foi elaborado em conjunto com
o MEC para “criar a cultura do empreendedorismo na juventude”, como disse o
ministro da Educação, Aloizio Mercadante, durante o lançamento da parceria em
maio deste ano. Serão incorporados às capacitações já oferecidas pelo Pronatec
conteúdos sobre o tema (com carga horária de 24 a 52 horas), que abordarão
plano de vida, plano de carreira e atitude empreendedora. As primeiras turmas
do Pronatec Empreendedor começarão a partir do segundo semestre em 15 cursos,
como cabeleireiro, cuidador de idosos, promotor de vendas e fruticultor. A
expectativa para 2014 é de que cerca de 1,3 milhão de estudantes tenha acesso
aos conteúdos e cinco mil professores sejam capacitados.
O Serviço Social da Indústria (Sesi)
do Rio de Janeiro também tem alcançado ótimos resultados com o Programa
Pequenos Empreendedores. A iniciativa surgiu para propiciar a iniciação
profissional de adultos e jovens a partir de 14 anos em diversas áreas,
oportunizando geração imediata de renda com pequeno investimento. Os módulos
podem ser feitos de acordo com a disposição de horário e recursos financeiros
do participante e contemplam os segmentos de artesanato, culinária, estética,
serviços, hotelaria e turismo. “Os cursos do programa são oferecidos às empresas
e comunidades pacificadas do entorno das escolas do Sesi. Temos hoje cerca de
15 turmas com 15 alunos cada”, informa Fernanda Oliveira.
Outra instituição que desenvolve
metodologias inovadoras para a criação de ambientes de aprendizagem do tema,
como o próprio nome diz, é a Escola de Empreendedorismo Zeltzer. Além de
atividades lúdicas para o desenvolvimento de habilidades empreendedoras, nas
quais utiliza ferramentas como o game Aventura Empreendedora e o jogo Talento
Único, por exemplo, a Zeltzer promove oficinas de empreendedorismo social, de
negócios e de projeto profissional no ensino médio. A próxima novidade será a
Escola de Empreendedorismo Digital, em que será feito um crowdfunding
(financiamento coletivo) com o objetivo de colocar no ar o portal que permitirá
o acesso ao conteúdo pedagógico para aplicação por professores de todo o
Brasil.
Talentos despertados
Surgido no Rio Grande do Norte e
promovido pelo Sebrae, o Projeto Despertar, em fase de nacionalização, está
conseguindo cumprir o objetivo de preparar os seus participantes para assumir
um comportamento empreendedor ao enfrentar situações do cotidiano. Magnólia
Nascimento da Silva, de 20 anos, que participou da iniciativa quando cursava o
1º ano do ensino médio na Escola Estadual Professor Paulo Freire, em Baía
Formosa (RN), confirma tal dado: é dona de uma soparia e tapiocaria.
Acadêmica de Gastronomia na
Universidade Potiguar (UnP), Magnólia conta que a experiência contribuiu para
que ela tivesse uma visão diferenciada do mercado e se tornasse mais persuasiva
na hora de apresentar suas ideias, tanto no ambiente familiar quanto no
empresarial. “O programa possibilitou-me ser uma empreendedora. Hoje sei lidar
com situações específicas e aprendi que uma oportunidade é única”, conta.
Conforme a diretora da escola,
Josidalva Irineu de Brito, este é o 9º ano de parceria com o Sebrae e, durante
esse período, já foram capacitados cerca de 280 alunos. A seu ver, o principal
ganho é que os jovens possam visualizar novas perspectivas para eles, seus
familiares e a comunidade. “Inclusive uma das primeiras professoras capacitadas
para trabalhar no projeto atualmente é aposentada e proprietária da maior lan
house do município, segundo ela, graças às perspectivas deixadas através do
Projeto Despertar”, destaca a diretora.
Abrir o seu próprio negócio também
deverá ser o caminho natural de Maria Vitória Flores dos Santos. Além de ter
talento nato para desenhar e criar modelos, ela adianta que já está inscrita em
um curso de costura, pois assim poderá conhecer um pouco da parte prática do
trabalho. Para chegar lá, porém, ela sabe o quanto as primeiras lições foram
essenciais. “O ensino de empreendedorismo deve ser ampliado”. E acrescenta:
“Ele permite ter uma visão diferente e a descobrir o que queremos. Muitas
pessoas da minha comunidade poderiam ter um futuro brilhante, mas acabam
desistindo por não saber tudo o que poderiam fazer”, testemunha a provável
empresária.
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Foto: Daniel Kullock
Reportagem // Marcos Giesteira