VIRTUDES
“Preçonificação”
Tudo
tem seu preço. A gratuidade está cada vez mais escassa, sobretudo quando
pensamos em sentimentos. Ninguém quer oferecer nada, sem perspectiva de que
tenha algo em troca. Há preço. Há sobrepreço. Há inflação. Há juros.
Amizades pedem contrapartidas exorbitantes.
Parceiros exigem nossa liberdade em troca de “amor eterno”. Erros do passado e
do presente cobram preços altos, justificando as más condutas, a falta de
estima, o descontentamento contínuo com tudo.
O preço é cada vez mais alto e a cada dia
há um novo valor. Mas, aqueles de outrora, os valores tão simples e tão
importantes, se perdem na valorização do efêmero, do incontínuo, da
obsolescência de sentimentos que valem a pena. Que valem tudo.
Não
temos dito a verdade. Temos feito vontades, que extravasam a racionalidade, não
por puramente ser irracional, mas pela bestialidade de suas consequências, pela
efervescência de prazeres tão fugazes.
Perdemos
valores e criamos dívidas. Dívidas com nossa consciência. Dívidas talvez que
não se possa pagar, de pronto. Fazendo cheques. Pré-datando tudo. Como se
houvesse a certeza tão crucial de um amanhã.
A
“preçonificação” ganha status, porque todo mundo usa dos preços para tudo. Há
barganhas por toda parte, como se vivêssemos em uma gôndola disponíveis para
sermos jogados nos carrinhos de compras. “Se você me amar, serei fiel”. “Se
você se comportar, ganhará presente no Dia das Crianças”. “Se você me
prometer...”
Que
preço é este? Que jogos temos jogado? O que temos lançado contra as hélices dos
nossos pensamentos, formando tornados sem centro algum?
Não
temos métricas. Não temos rimas. Não temos fundamentos.
Temos
hipocrisia. Preços por preços. Valores que se desfazem em segundos. Condutas
que não conduzem. Induzem. Aos maus caminhos de sempre.
Perdemos
as contas. Perdemos as raízes, enquanto se consolida a doutrinação pela
“preçonificação”. E sempre nos sentimos mal pagos. Mal. Simples, assim.
O
dinheiro é uma das fianças dos preços que pagamos. Mas, nem sempre nos afiança.
Já que há preços que não se pagam em moedas, embora sejam muito mais caros.
Caros
ficamos diante da pobreza de valores. Caros ficamos, como atônitos, diante de
máquinas registradoras, de carimbos com preços em tudo. E nos empobrecemos
moralmente pelas falsas escolhas. Pelos dividendos contraídos que já não se
pode pagar.
E a vida escorre pelas mãos, como a fiança
pelos dividendos. Até quando será possível morrer aos poucos, sem ter nada?
É nas escolhas que podemos mudar a toda
dos preços. E exigir a gratuidade dos nobres sentimentos, resgatando os valores
naqueles cofrinhos das nossas mais singelas lembranças do bem que existiu.