Educação
Bullying e
Cyberbullying: ausência de valores?
Muito se tem discutido sobre o tema bullying e
suas implicações. No entanto, há, ainda, muitas interpretações equivocadas em
relação ao assunto, que acabam por comprometer o entendimento e os
procedimentos que devem ser adotados.
O termo “bullying” é utilizado
para tipificar uma forma de violência muito específica, identificada na relação
entre pares. Sua incidência maior ocorre em ambientes escolares, local onde se
concentra uma grande quantidade de crianças e adolescentes, que convivem
diariamente.
No conviver, surge, inevitavelmente, uma
diversidade significativa de conflitos que, quando não bem mediados ou
resolvidos, podem desembocar na violência. No entanto, é preciso distinguir o
que são conflitos do que é bullying.
Os conflitos aparecem a todo momento nas
relações. Geralmente, têm como fonte as divergências de ideias, de opiniões, de
preferências, de afinidades, de posicionamentos. Ocorrem também, por ciúme,
inveja, disputas, rivalidades nos grupos de trabalhos e jogos esportivos, na
recreação etc.
Já o bullying não resulta de
conflitos mal resolvidos ou de brigas entre os estudantes. É uma violência
gratuita, intencional, recorrente, em que a vítima não consegue se defender ou
dar um basta à perseguição, que se sustenta ao longo do tempo. Talvez, a pessoa
acabe sofrendo por não ter habilidades suficientes de defesa ou assertividade;
por ter poucos amigos, ou nenhum, com quem possa contar para defendê-la; por
medo de represálias ou por vergonha da incompreensão de seus colegas ou
adultos; por conformismo, preferindo calar-se a denunciar seus agressores; por
não saber o que fazer e a quem recorrer; por habituar-se a ser tratada com
indiferença e desamor.
Os autores elegem, dentre seus pares,
aqueles que são vulneráveis. Preferencialmente, os que não oferecem
resistências; os que se evidenciam por suas diferenças, seja nos aspectos
positivos ou negativos.
As vítimas se tornam joguetes em suas mãos.
Onde quer que estejam, no espaço físico ou virtual, os agressores não perdem
oportunidade para desmoralizar, humilhar, torturar diante de uma plateia que
parece sentir prazer com o sofrimento humano. Muitos dos que assistem à
agressão auxiliam no deboche, no espalhar mentiras, fofocas, apelidos. Outros
curtem, compartilham, divulgam os conteúdos humilhantes. Poucos são os que se
encorajam e auxiliam seus colegas ou procuram os adultos para relatar o que
presenciam.
Enquanto a dor e o sofrimento vão se
apoderando das vítimas, o bullying vai se potencializando,
naturalizando, legitimando, especialmente no bullying virtual (cyberbullying),
onde se tem a imagem exposta e a reputação maculada, na velocidade da internet.
O bullying surge do desrespeito,
da intolerância, do preconceito, da negação do outro. Está relacionado à
ausência de valores, que se reflete na maneira como as crianças se relacionam
consigo mesmas e com as outras; podendo ser percebida na dificuldade de
empatia, compaixão, cooperação, amizade, solidariedade, amor.
A formação em valores humanos sempre esteve
vinculada à ação educativa. Durante décadas, grande parte da reflexão
pedagógica esteve centrada na temática dos valores, como a ética, a moral e a
cidadania. Com a inserção dos Temas Transversais nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), em 1998, a possibilidade de educar em valores se ampliou. Temas
como Meio Ambiente, Ética, Pluralidade Cultural, Orientação Sexual, Saúde,
Consumo, Trabalho deveriam ser integrados no currículo e tratados
transversalmente nas áreas convencionais, de modo que fossem relacionados às
questões da atualidade e servissem de orientadores para o convívio escolar.
No entanto, os problemas metodológicos que
muitos docentes enfrentaram, por não saberem como abordar os temas
transversalmente em seus conteúdos, aliados à crise de valores presente em
nossa sociedade e à dificuldade de parceria com a família no ensinamento e
exemplificação de valores, acabaram por resultar em práticas educativas
incapazes de gerar mudanças de atitudes individuais e coletivas nos estudantes.
Por esses e outros motivos, se tem
percebido crescente interesse entre os docentes, especialmente das séries
iniciais, em resgatar a educação em valores, objetivando formar seres humanos
mais respeitosos, solidários e éticos, comprometidos consigo mesmos, com o
outro, com a sociedade e com o planeta em que vivem.
O resgate dos valores humanos é de suma
importância e urgência. No entanto, se faz imprescindível que os docentes
tenham clareza em quais valores querem educar e qual a metodologia que devem
utilizar para a construção de valores e atitudes.
A educação em valores requer uma
metodologia complexa que leva em conta desde os estímulos valorativos que se
oferecem ao estudante até a reflexão sobre o ser humano e o seu destino.
Portanto, os valores que devem ser ensinados e vivenciados na sala de aula
devem ser pautados no que é verdadeiro, justo, honroso, amável. Crianças e
adolescentes precisam ser orientados para desenvolver valores e atitudes, por
meio de atividades pedagógicas contextualizadas, que incentivem reflexão,
participação, autonomia, emancipação; que resultem em transformações pessoais,
coletivas e sociais; que resultem em convivência saudável e respeitável.
Cleo Fante
Pesquisadora de renome nacional e
internacional no tema bullying. Pioneira no Brasil em estudos e pesquisas
sobre o fenômeno. Autora do programa antibullying “Educar para a
paz”. Escritora com publicações sobre bullying e cyberbullying no
Brasil e na Colômbia. Conferencista.