LEITURA
SERÁ QUE ELA MORREU
MESMO?
Eu não tinha chorado até então. Parece que
quando a gente não chora, as coisas estão bem, você está superando estas
situações limítrofes e está acessando uma espécie de equilíbrio.
Mas é
uma ilusão. Dura pouco...
Olho
para a foto na mesa. O sorriso dela está ali, vivo e perene. "Será que ela
morreu mesmo?", penso comigo. Aí eu retorno à realidade. "Sim, ela
morreu".
Seu
corpo não está mais aqui, embora eu a veja em muito do que sou, nas minhas
lembranças, nos beijos e na maciez da sua pele branca, que eu acariciava sempre
com todo o amor do mundo.
E aí
o chão abre um buraco de novo. As lágrimas vão molhando tudo, empoçando no
buraco aberto no chão, onde eu queria cair ou ficar nadando lá sem ter hora pra
voltar.
Dói.
Existe uma sensação de desalento, de desamparo, que machuca tanto que dói o
corpo. Reverbera.
Abro
o livro dela de orações. Cada dia, descubro uma. Algumas fui eu mesmo que
copiei, com minha letra ali ao lado da dela. Ela tinha uma letra tão bonita!
Era tão inteligente. Mil vezes mais do que eu...
Dá
uma saudade sem tamanho. Vontade de abraçar, de perguntar coisas que ela já
tinha me dito e eu esqueci. Tantas coisas que eu queria lembrar agora. Até uma
besteira eu queria perguntar.
Dói,
não porque ela se foi. Eu sabia que este dia ia chegar. Mas, enquanto ele não
chega, a gente acha que mãe nunca morre.
E eu
me sentia tão forte... e me vejo beirando o precipício todos os dias, tentando
não escorregar nas minhas próprias lágrimas.
Às
vezes eu soluço de tanto chorar. Parece que, por um momento, dói menos. Mas
depois dói de novo tanto quanto antes.
Hoje
eu acendo duas velas. Uma pra ela e uma pro meu pai.
Desde
que meu pai morreu, minha mãe acendia uma vela para ele. Ela não queria que a
alma dele ficasse no escuro, embora eu soubesse sempre que não estaria. Ele
está em paz, eu sinto, eu sei.
Numa
das últimas vezes que acendi a vela pro meu pai, lá com minha mãe do lado, ela
me disse que ela vela demorava quatro horas para queimar.
E agora
eu acendo uma para cada um. Eu sei que ambos estão na luz. Mas, agora importa
fazer o que ela gostaria que eu fizesse quando ela já não estivesse mais aqui.
Saudade
gigante.
Saudade
devastadora.
Mas a
luz acalenta.
Até
chegar a vez de alguém acender vela para mim também.
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