VIRTUDES
LEITURA
APRENDENDO....
Ainda era uma
pré-adolescente quando comecei a ajudar meu pai na feira. Ele vendia produtos
japoneses e era o patrão e único funcionário. Aos fins de semana ou nas minhas
férias, eu ia ajudá-lo.
Ele me acordava às 3h da manhã. Nestes dias parecia
que eu apenas tinha fechado os olhos por alguns segundos e já tinha que
levantar... Embora fosse bem cansativo, eu ia com aquela premissa de ajudar e
também dar valor pras coisas.
Depois que a gente montava a banca e colocava os
produtos em exposição, meu pai ia comprar alguma coisa pra gente comer. Ah,
o lanche de mortadela que ele fazia pra mim era o mais gostoso! Tinha vez
que ele comprava pastel também e, pastel de feira, convenhamos, é o melhor que
existe!
Tinha a garrafa de café que ele trazia de casa e
preparava na noite anterior. O café do japa era uma tinta. Mas eu gostava
muito. Afinal, café forte é para os fortes!
Quando ele saía, sempre aparecia um cliente que ficava
lá perguntando o preço das coisas e eu não sabia o preço de nada. Se não
tivesse uma etiqueta lá dizendo, já era. Era muita coisa, nem sei como ele
conseguia guardar tanto preço de cabeça.
Matemática nunca foi o meu forte. Zero de raciocínio
lógico até hoje, mas eu tinha que fazer contas sem calculadora. Tudo no papel.
Jesus!!!! Quando tinha mais de quatro coisas era um martírio.
Esqueço de muitas coisas, mas algumas eu lembro como
se fosse hoje. Lembro-me da vez que ele, muito pacientemente (coisa que era bem
difícil pro estilo do meu pai), me ensinou a dar o troco. Eu sempre me
embananava quando a conta, por exemplo, dava 5,20 e a pessoa dava 10,20 pra
cobrar. Aí ele me explicou que o cliente facilitava para ter uma nota só. Ah,
eu comecei a adorar a dar o troco daquele jeito!! Pedia os
"quebrados" para os clientes quando eu tinha nota de 5 ou 10,
sobrando no caixa. Era uma maravilha!
Mas na vida real até hoje ainda não sei dar o troco.
Talvez eu nunca aprenda a dar o troco a quem me machucou, a quem me feriu, a
quem traiu minha confiança, a quem frequentou minha casa e que não passou de
mero transeunte. Ainda não sei dar o troco para as cobranças indevidas de tanta
gente e de tanta coisa que me fizeram.
É certo que a vida se encarrega de dar o troco. É
certo que existem dívidas a serem pagas. Não comigo, nem com você. Mas com o
Universo.
E é certo que dar o troco, em dinheiro, foi uma das
coisas que aprendi com meu pai. E que, embora existam as cicatrizes da vida,
dos trocos na cara que já levei e dos que não consegui dar, a trajetória da
vida não deixa nada barato.
Que o mal não vire moeda de troca.
E que o troco seja só para o dinheiro.
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