VIRTUDES
Leitura
DEIXE FICAR!
A vida descortina respostas o todo
tempo diante de nós. Mas, é preciso atenção. É preciso desprender-se daquilo
que passou e já não importa mais, liberando espaço para as novidades. É preciso
escutar, observar. Enxergar que as miudezas trazem consigo aprendizados
graúdos. Destes que a gente não esquece.
Nos diálogos corriqueiros podem
surgir frases inspiradoras, quando se abre uma brecha para tirar as respostas
feitas da ponta da língua. E destas brechas, abre-se um mundo totalmente
original, onde a gente quer permanecer, sem medo e sem vazio.
Numa despedida, eu disse ao senhor da
avícola – que lembra um pouco o meu pai, não no aspecto físico, mas na alma:
“Fique com Deus”. E ele me respondeu: “Ele já está aqui”. Gostei da resposta e
disse: “Se ele está não o deixe ir embora”. E nós dois sorrimos.
Na volta para casa, enquanto
caminhava, pensei na compaixão, que deveria ser infinita tanto para nós mesmos
quanto para os outros, e na espiritualidade, que não precisa advir de religião:
é algo que a gente aprimora com amor. Lembrei-me de muitas pessoas que têm
vivido na sombra, deixando a luz ir embora ou mesmo deixando-a apagada, sem se
dar conta nem de onde fica o interruptor.
Lembrei-me dos que deixam a porta
fechada para o bem e que o escorraçam escada abaixo, com a brutalidade, a falta
de respeito, a raiva desmedida. E a raiva é uma energia que se propaga como
fogo quando você a deixa atingir. Dá um negócio esquisito. A gente sente a
raiva do outro no olhar, na voz, na linguagem corporal. E uma destas raivas eu
senti, reverberando de um homem que foi pedir um salgado na padaria. Em tudo o
que ele disse, não havia cordialidade, apenas rispidez de fala e de espírito.
Mesmo quando saiu, deixou aquele negócio estranho no ar, como um resquício de
raiva. E este resquício poderia ser amor. Poderia ter sido um perfume. Poderia
ter sido um sorriso ou apenas um “muito obrigado”, dito com o coração. A gente
sente quando as palavras soam verdadeiras, porque emanam algo bom.
Dos que exalam raiva ou coisas ruins
é preciso ter compaixão. É preciso pensar que, enquanto reverberamos
sentimentos bons para os outros, os sentimentos ruins vão ter dificuldade em
transpor nosso escudo. E, como Deus é bondade infinita, esta luz de amor também
atinge quem está na sombra, mesmo que seja um lampejo. Num lampejo as pessoas
também podem despertar da escuridão. Num lampejo, ainda há esperança.
Deixe o teu cheiro de amor por onde
quer que vá. Imprima teu sorriso na vida do outro para que ele também possa
sorrir. Não deixe o que é bom ir embora. Arrume morada e nunca feche a porta,
porque ele não quer ser visita. Quer ser de casa. E iluminar!
Mônica Kikuti