VIRTUDES
E SE FOSSE A ÚLTIMA VEZ?
Por
aquele prazer momentâneo de tomar um bom café, fui a uma cafeteria, destas
elegantes, perto de dois colégios de endinheirados. Mal entrei e vi duas
mulheres conversando. Talvez nem tão animadamente, mas conversavam.
Pedi meu café e sentei-me para espera-lo ao lado das
duas. Uma tinha voltado de viagem ao exterior. Fazia contas, falava de valores
em dólares canadenses. Entregava frascos de perfume para a interlocutora e mais
parecia reunião de tupperware do que a chegada da muamba aromática.
Vestindo uniforme, um garoto de 12 anos, não mais que
isto, entra na loja. Dá alguns passos e logo se posiciona ao lado de uma das
mulheres. Ela olha para o garoto com a austeridade de um sargento.
- “Não quero você aqui do meu lado!”. Era um vômito de
palavras, talvez um refluxo.
A amiga da mãe, prontamente, olhou para a cadeira
extra, com as bolsas de ambas e outros embrulhos e não se demorou: - “Nem tem
lugar para sentar”, sentenciou a amiga.
- “Tá mãe. Eu vou voltar para a escola”, disse o
menino, um tanto acostumado com aquela grosseria maternal e com a solidariedade
da amiga da mãe.
O diálogo
durou menos de um minuto. O menino saiu. Detrás do balcão, uma das atendentes
me olhou como se pudesse dizer: “Você viu isto?”.
Observei
o menino atravessando a rua e voltando para a escola, de onde, depois daquilo,
deveria ter ficado até morrer.
A frieza
daquelas palavras me incomodou. As palavras têm poder. Podem trazer alento,
gerar admiração, cicatrizar mal entendidos e machucar, ferir. Ou podem apenas
doer fundo na alma, dilacerando uma vida inteira de crenças e amores.
Mas, e se
aquela fosse a última vez? Se a última frase daquela mãe para o filho fosse
mesmo “Não quero você aqui do meu lado!”? A inconsciência coletiva, esta da
qual eu também me identifico, é cruel. Assassina. É executora das sentenças de
morte a que estamos acostumados a lidar, sem um pingo de lucidez! Quantas vezes
dissemos e dizemos palavras envoltas em raiva, grosseria, orgulho e não
pensamos na última lembrança que vamos ter? Ou que o outro terá de nós?
Que a última frase seja sorriso. Que a última frase
seja ternura. Que a última lembrança seja vontade de ver de novo. Que a última
vez seja vista como se fosse agora, porque ninguém sabe o que vai ser de nós,
de agora em diante.
Que eu tenha boas lembranças. Que você também tenha de
mim. E que se hoje fosse o fim, eu tenha tempo de dizer que amei você. Com o
olhar, com o sorriso, com uma palavra. Que é sempre de vida. Porque é ela que
vai ficar para sempre nas boas lembranças.
M. KIKUTI