VIRTUDES
Por menos “plastificação”
Não faz muito tempo me
perguntaram se eu era feliz. Não titubeei e disse que era. Talvez se dissesse
que não, me sentenciaria à infelicidade por meros detalhes que não fazem muita
diferença. Por que dizer o pior se a vida é tão boa? Mas, tanto a infelicidade
quanto a felicidade incomodam. Tem gente que, por ter uma infinidade de
problemas, acha que você tem que ter também. E na mesma proporção. É aquela
coisa de partilha de infelicidade, de cumplicidade com a fossa interminável.
“Que tal sermos infelizes juntos?”.
Tem gente também que não suporta a felicidade alheia. Não por mera inveja,
mas talvez pelo desconhecimento do que seja sentir-se feliz, porque já se está
muito acostumado com o pessimismo cotidiano. E, convenhamos, quem só fala de
tragédias e nunca tem uma mísera boa notícia para dar também espanta qualquer
um. É aquela sensação da energia negativa. Ninguém gosta de infelicidade assim,
misturada com mau humor. Dá vontade de jogar sal grosso, água benta. Mandar
para o descarrego.
Em um evento para jornalistas, estive em um prédio bonito numa região
nobre de São Paulo. Todo mundo engomadinho, cheiroso, bonitinho. Tudo brilhava,
até os sorrisos das pessoas. Como numa vitrine, eu as vi trabalhar. Olhavam
para o computador de última geração e estavam com uma postura tão ereta que
dava até gosto de ver. Acho que ninguém ali tinha lordose, escoliose, LER e
toda esta coisarada, até comum em gente que fica diante do computador por
horas. “Me parece um bom ambiente para trabalhar”, falou-me um colega, puxando
papo antes de entrar no elevador. “Ah, mas que coisa sem graça! Ninguém
conversa com ninguém”, respondi-lhe. Ele sorriu meio sem graça.
As pessoas me pareciam encerradas em si mesmas naquele lugar.
Plastificadas. Isoladas. Não que deveriam estar com em um mercado de peixe, mas
aquilo tudo parecia tão bonito só de ver, mas, no fundo, não parecia que as
pessoas eram calorosas umas com as outras, no sentido de partilhar coisas boas.
Eram máquinas metódicas de fazer textos. Imaginei se eu, de repente, soltasse uma
risadinha ali dentro, do nada. Iriam me olhar com a reprovação de que é preciso
fazer silêncio, de que ali não se pode rir. Por que ser feliz no trabalho?? O
trabalho é um lugar para trabalhar! Não é para ficar causando. Nem concórdia,
nem discórdia. Tem é que produzir. Mas, e a felicidade, o prazer de
compartilhar uma piada, de ter de repente uma ideia surpreendente após uma
conversa com um colega? Por que ser sério é ser bom e ser radiante é
repreensível?
Pelo bem da ordem, é claro, mas para o bem do ser humano: sejamos menos
plastificados e, assim, bem mais felizes e bem humorados. Porque estamos aqui
para trocar experiências não para viver experimentalmente como se fôssemos
eremitas em sentimentos.