VIRTUDES
Pela loja de
conveniências
Com os anos chegando implacáveis, ela
entrou apressada na loja de conveniências. Foi à seção “urgências”. Olhou a prateleira com propriedade, mas ainda faltava-lhe o
foco. Uma placa piscava uma luz intermitente, como se fosse um giroflex: “Hora de ter um filho”. Teve um sobressalto. Mas, com tanta coisa a seu
dispor, decidiu dar uma olhada em tudo. Afinal, era preciso escolher algo que,
realmente, conviesse. Lógico, levando em consideração as pressões sociais,
agigantadas por parentes, amigos e pessoas do convívio ou aquelas que se
encontra, do nada, e que fazem sempre as mesmas perguntinhas.“Casou? Nããão? Como assim? Mas, tá namorando,
né?”. E quando as
respostas são negativas, parece que você não é mais gente, mas um monstro que
não é capaz de procriar. Um monstro infértil, como se a vida fosse, em momento
obrigatório, apenas “gerar descendentes”.
Ainda
acreditando em contos de fadas, ela chegou ao balcão e perguntou à atendente: “Tem Príncipe Encantado?”. Por sorte, a interlocutora foi verdadeira: “Havia uns genéricos, mas agora está em falta.
Acho mesmo que não vai chegar nunca mais. Só tem cafajeste. Serve?”. Pensou por um momento. E preferiu o silêncio,
antes que a conveniência lhe impusesse mesmo a cafajestice.
Andou
por ali, com conveniências de todos os tipos sempre à espreita, clamando
atenção: “Casamento de fachada”, “Amigos por
Interesse”, “Marido de Aluguel”, “Corno Manso”, “Produção Independente”, “Carro
do Ano”, “Velho Rico”, “Oportunismos de Várias Naturezas”. Espantava-se
com tudo o que tinha na loja de conveniências, porque sabia que muita gente –
até aquelas bem próximas – andava fazendo uso daqueles “produtos”, com o mínimo
de decência. Era tudo para fazer as vontades de uma sociedade opressora, que
não quer saber se você está a fim de casar ou de ter um filho (ser mãe ou pai).
Ela quer que os ditames sejam seguidos e classifica os que fogem à regra, de
transgressores, solteironas, infelizes, malsucedidos. Será?
Façamos
um exame de consciência. Quanta coisa a gente já fez para seguir a uma tola
“regra”, porque não teve coragem de dizer não? Pelo menos uma vez, a maioria de
nós já sucumbiu à tentação de achar-se feliz com uma conveniência imposta. Algo
que a gente não tinha certeza, mas que acabou gostando, porque, de fato, foi
conveniente. Só que a conveniência dura pouco. Até quando vamos fazer tudo o
que convém, só para tapar o buraco da aceitação social, vivendo uma vida de
artificialidades, cheia de desgostos e frustrações? É hora de sair da loja de
conveniências, sacodir a poeira e viver uma vida de verdade. Sem rótulos,
julgamentos, imposições. Mas com liberdade e respeito. Respeito às suas vontades.